Cinema
15 de fevereiro de 2009La teta asustada (The milk of sorrow / O leite da mágoa) é uma história que não conhece fronteiras: nem as dos bairros pobres de Lima, onde vive Fausta – interpretada por Magaly Soler – nem as dos Andes, de onde vêm tanto a personagem quanto sua mãe, violentada durante um conflito do Sendero Luminoso, quando estava grávida. O argumento remete aqui a uma história universal: de medo, falta de comunicação e isolamento, mas também da luta para encontrar um caminho, a fim de seguir adiante.
A personagem Fausta não havia ainda nascido quando sua mãe foi violentada. Mesmo assim, ela herda o medo e fica doente, sofrendo de uma estranha enfermidade chamada "a teta assustada". O pavor de passar uma experiência como a que a mãe passou é tamanho, que Fausta chega a introduzir uma batata na vagina, acreditando que, assim, poderá evitar um estupro. No mais, vive isolada. Até mesmo o tio, com quem divide a casa, é para ela um estranho. Fausta não fala, só canta. E faz isso em sua língua materna, o quíchua.
Traumas transmitidos de geração a geração
Com 32 anos, Claudia Llosa foi a diretora mais jovem a participar da mostra competitiva do Festival de Cinema de Berlim. E também a mais jovem a receber o Urso de Ouro. Seu filme foi bem acolhido não apenas pelos jurados da mostra oficial do festival, mas também pelo público e pela critica especializada, que concedeu a La teta asustada o prêmio Fipresci (Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica).
O filme, segundo longa-metragem da diretora, realizado depois de Madeinusa (2006), reflete sobre a dificuldade de curar as feridas do passado no Peru. A idéia, segundo Llosa, surgiu quando ela estava acabando de montar seu primeiro filme.
"Foi quando chegou a mim, por acaso, um livro com centenas de testemunhos de mulheres que haviam sido açoitadas durante a época do terrorismo no país. Ali havia menções à 'teta asustada', que concentrava numa só frase muitas coisas, entre estas a idéia de como o emocional se transmite de geração a geração. Isso me pareceu tão mágico e tão sábio que decidi me aventuar mais pelo assunto", conta a diretora.
Fausta, a personagem
Uma das principais dificuldades enfrentadas por Llosa foi a construção da personagem Fausta. "Nunca cheguei a conhecer ninguém com essa enfermidade, o que me obrigou a ler muito sobre o medo", conta a diretora. Um medo vivido pela protagonista do filme "desde que ela nasceu. Como entender esse medo e colocá-lo numa pessoa foi, para mim, o mais complexo da história", explica Llosa.
La teta asustada, porém, não trata somente do medo, mas também de questões como o isolamento e a incompreensão, que permeiam a personagem mesmo dentro de seu próprio universo familiar. Ela praticamente só se comunica com sua mãe. Quando esta morre, o tio assume os cuidados da sobrinha.
No entanto, a comunicação entre os dois é extremamente difícil. "Ainda que a família proteja a pessoa enferma, ela se distancia dela", diz a cineasta. "O terrível no contexto do terrorismo foi que, em vez de ser abraçada e consolada, a família foi expulsa. Ninguém queria ter nada a ver com a vítima", completa Llosa.
Realidade peruana
As feridas de Fausta não são certamente as únicas não cicatrizadas no Peru de hoje, acredita a diretora. Segundo ela, ainda se vive no país "com a sensação de querer cruzar os dedos para que o acontecido não se repita". De uma forma ou de outra, Llosa quis mostrar em seu filme uma sociedade peruana "que ri de si mesma com muita facilidade".
Depois das premiações em Berlim, a diretora pensa em fazer uma pequena pausa antes de começar a desenvolver novos projetos. "Ao contrário do que aconteceu com A teta asustada, um filme que tive urgência de fazer para continuar a me manter no mundo cinematográfico. Agora, depois de haver feito dois filmes, não estou me esforçando tanto para buscar rapidamente um tema", conta a diretora. Não há pressa, pois talento, aos 32 anos, Claudia Llosa já provou ter de sobra.