"Começa o período pós-Castro"
2 de agosto de 2006Dias antes de completar seu 80º aniversário e pela primeira vez desde que assumiu o governo de Cuba há 47 anos, Fidel Castro delegou "provisoriamente" a liderança do país a seu irmão mais novo, Raúl Castro, ministro da Defesa e segundo homem na hierarquia da ilha.
A mudança, necessária após o agravamento do estado de saúde de Castro, foi divulgada aos cubanos pela televisão na noite de domingo (31/07). A notícia foi dada por seu secretário particular, Carlos Manuel Valenciaga, enquanto o líder se submetia a uma cirurgia de emergência devido a uma hemorragia provocada por uma crise intestinal aguda.
"Caos e migração devem ser evitados"
Na Espanha, já se especula sobre uma eventual mudança de regime em Cuba. "Mesmo que Fidel Castro se recupere da doença, a transição ao período pós-Castro já começou", disse o liberal de esquerda El País, de Madri. "Ninguém sabe aonde esse processo levará, nem quanto tempo ele vai durar. (…) Mas está claro que o castrismo não poderá sobreviver sem Castro."
E lembra: "O importante é que essa transição se dê pacificamente. Quanto a isso, até a Casa Branca em Washington e comunistas cubanos estão de acordo: um caos na ilha e uma nova onda de migração devem ser evitados".
Para o russo Kommersant, "Castro percebeu que não possui sucessor. Ele não deu a ninguém essa chance, nem mesmo a seu irmão Raúl, que sempre permaneceu à sua sombra". Para o jornal moscovita, a decisão seria uma prova da gravidade de seu estado de saúde.
O italiano Corriere della Sera questiona o aspecto familiar da transferência de poder e procura entender "por que a transição do poder em Cuba não passou pelas etapas conhecidas de outras ditaduras. A passagem do poder a seu irmão é o cúmulo da identificação de uma revolução com o nome de seu líder".
Franceses especulam sobre queda do regime
Também na França a notícia do afastamento de Fidel acirrou especulações sobre o fim do regime. O conservador Le Figaro não poupou críticas: "A queda do regime é finalmente possível também em Cuba. O último dinossauro político do século 20 se despede. [Castro] instalou um regime mafioso, com altos líderes envolvidos no comércio de drogas, sem dúvida com sua permissão".
O jornal critica a fortuna acumulada por Castro, estimada em 900 milhões de dólares segundo a revista Forbes, enquanto "o povo cubano, que em sua maioria esmagadora nunca conheceu outro líder, sobrevive apenas indiretamente". E alerta": Um caos não pode ser evitado, dadas as tensões sociais e políticas após 47 anos de ditadura".
Para o Liberatión, de esquerda, "tudo indica que esta preparação do pós-Castro, apesar de seu caráter dinástico, se dá segundo os ideais da ortodoxia comunista. Fidel Castro, que tropicalizou o leninismo, também stalinizou profundamente Cuba. A autoridade do partido foi brutalmente reafirmada e sua estrutura restabelecida a suas formas originais".
Mas uma possível troca de governo, que já vem sendo festejada por exilados cubanos em Miami, exigiria um esforço diplomático dos Estados Unidos, segundo o alemão Süddeutsche Zeitung.
"O presidente Bush faria bem em abafar a euforia de seus partidários em Miami – e finalmente se livrar das garras do lobby cubano. O próximo boletim médico já pode significar uma emergência – para Fidel Castro, para Cuba e para os EUA. A transição exigirá do grande vizinho uma política cuidadosa. Portanto, muito mais que palavras bonitas ou o controle das costa fronteiriça."
Britânicos reservados
Já jornais britânicos reagiram com mais reserva ao anúncio. O conservador Daily Telegraph adverte que "Fidel Castro está mais popular que nunca na América Latina e continua tendo seu país nas mãos. Em 2003, 75 dissidentes e jornalistas foram presos e condenados a longas penas de prisão".
"Seu irmão Raúl é um comunista obstinado. Caso assuma o governo, é possível que abra o país economicamente segundo o modelo chinês, mas mantenha o monopólio do partido. Seja como for, os futuros governantes de Cuba continuarão defendendo o sucesso da Revolução com a grosseria costumeira".
Para o alemão die tageszeitung (TAZ), "talvez Fidel aproveite o tempo de sua reconvalescença para observar se tudo corre conforme planejado para o período após sua morte. Se o irmão Raúl e seu Exército seguram a nação com punho de aço. E se os mais jovens se viram sem o patrono".
"Se tudo correr satisfatoriamente, ele nem precisa voltar ao poder. Seria desejável aos cubanos que o cabeça-dura Raúl a princípio não governasse sozinho, mas tivesse o irmão mais flexível – e mais amado – como corretivo em segundo plano. Se o legado de Fidel tem futuro, isso só será decidido quando os dois Castros se forem."