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Como resolver o imbróglio da dívida da Venezuela?

Uwe Hessler pv
14 de fevereiro de 2019

Se Guaidó chegar ao poder, vai honrar os compromissos assumidos por Maduro com credores como a China e a Rússia? Em ambos os casos, ele pode sair perdendo se optar pelo simples calote.

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Juan Guaidó, autoproclamado presidente interino da Venezuela
Juan Guaidó prometeu buscar a renegociação da dívida externa caso seja reconhecido como legítimo chefe de EstadoFoto: Getty Images/AFP/Y. Cortez

O oposicionista e líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, que se proclamou presidente interino da Venezuela em 23 de janeiro, disse aos credores do país que buscaria a renegociação da dívida externa caso fosse reconhecido como o legítimo chefe de Estado da Venezuela.

Imediatamente após o anúncio de Guaidó, os títulos soberanos da Venezuela ganharam em valor em meio a especulações de que a miríade de credores de países latino-americanos finalmente recuperaria seu dinheiro.

De posse do que se acredita serem as maiores reservas de petróleo do mundo, além de reservas subterrâneas de ouro, minério de ferro e outros recursos, a Venezuela poderia facilmente obter financiamentos e fechar acordos com seus credores, disse o autoproclamado presidente. "Com um novo governo, a dívida não será apenas paga, mas poderemos refinanciar com a confiança de um governo que pode pagar", afirmou Guaidó.

A dívida externa da Venezuela era estimada em cerca de 140 bilhões de dólares no fim de 2018. Um dos maiores problemas do Estado venezuelano – tão dependente de sua indústria petrolífera – é que deve grandes quantidades de dinheiro a muitas partes distintas.

Caracas deve mais de 65 bilhões de dólares a detentores de bonds internacionais, enquanto a China e a Rússia têm reivindicações pendentes na ordem de 40 bilhões de dólares sob seus respectivos acordos de empréstimos vinculados ao petróleo.

Além disso, há empresas que receberam decisões de arbitragem favoráveis, como a mineradora canadense Crystallex e a gigante petrolífera americana ConocoPhillips. E, por fim, há também as reivindicações de diversos fornecedores que não foram remunerados por seus produtos ou serviços.

Investidores da dívida internacional ameaçaram o governo em Caracas em janeiro e exigiram mais de 9 bilhões de dólares em pagamentos por títulos vencidos. A urgência aumentou depois que ConocoPhillips e Crystallex conseguiram arrebatar 1 bilhão de dólares do governo ao ameaçar reivindicar os ativos da Venezuela no exterior.

Até aquele momento, o governo do presidente Maduro favorecia o ressarcimento de empréstimos recebidos de Rússia e China, o que não surpreende, uma vez que os dois países estão entre os poucos que apoiam o regime chavista.

Grandes detentores de títulos venezuelanos, que incluem empresas como Fidelity, Pimco, BlackRock, AllianceBernstein, T. Rowe Price e Goldman Sachs Asset Management, ficaram de mãos vazias. Mas parece haver uma disposição por parte de Guaidó em quitar esses pagamentos quando chegar a hora.

Em 4 de fevereiro, o enviado da Venezuela a Washington, Carlos Vecchio, disse que um novo governo honrará as dívidas de ordem "legal" e "financeira", mas deixou em aberto se honraria os acordos de empréstimo em troca de petróleo.

Em outras palavras: se Guaidó galgar o controle do governo, não haverá inadimplência generalizada. Mas ninguém será pago imediatamente, e muitos traders têm afirmado que desenrolar a dívida venezuelana se tornará a maior tarefa de todos os tempos no âmbito de dívidas soberanas.

Empréstimos da China em troca de petróleo

A China se encontra atualmente numa posição muito diferente daquela imaginada uma década atrás, quando seus empréstimos por petróleo à Venezuela pareciam um caminho eficiente para garantir suprimentos, ao mesmo tempo em que construíam calmamente uma base política no quintal latino-americano dos EUA.

Agora, os credores chineses, incluindo o Banco de Desenvolvimento da China, foram avisados de que seus 50 bilhões de dólares em empréstimos – dos quais cerca de 20 bilhões de dólares estão pendentes – podem estar comprometidos.

Em 2016, Pequim já havia concedido ao governo de Nicolás Maduro um período de carência até 2018, no qual Caracas só precisava pagar os juros, podendo redirecionar recursos para sua cambaleante economia.

Os enormes recursos petrolíferos da Venezuela, teoricamente, ofereciam amplo sustentáculo aos empréstimos. Mas a China pode estar começando a notar que o petróleo pode não ser uma garantia para empréstimos, mas um meio de gerar dinheiro para pagá-los.

Se um novo governo venezuelano considerar os empréstimos chineses em troca de petróleo como um empecilho ilegal à venda de uma parcela significativa do petróleo venezuelano, a China estaria frente a uma situação complicada.

"Eles estão preocupados que a oposição chegue e não necessariamente queira honrar os contratos ou procure brechas", disse Russ Dallen, especialista em títulos venezuelanos da Caracas Capital Markets, em nota recente a investidores.

Outros analistas, no entanto, afirmaram que um novo governo necessariamente honrará a dívida da Venezuela com Pequim, porque a falta de ressarcimento à China prejudicaria a credibilidade de Guaidó.

A estrategista-chefe de investimentos da Bulltick Capital Markets, Kathryn Rooney Vera, por exemplo, disse que qualquer inadimplência poderia prejudicar o autoproclamado presidente da Venezuela. "Também prejudicaria sua capacidade futura de emitir títulos. Então, não acho que isso [calote em Pequim] vá acontecer", disse.

Gabriel Collins, do americano Instituto Baker para Políticas Públicas e cofundador do portal de análise China SignPost, afirmou acreditar que a iminente reestruturação, incluindo possivelmente um corte da dívida, é um exemplo clássico da "geoeconomia chinesa dando errado".

"O golpe ficará como um doloroso lembrete dos riscos inerentes em empréstimos a países instáveis e onde o domínio da lei é falho", escreveu Collins numa análise recente.

Peão de Moscou

Se Guaidó sinalizou que pretende honrar as obrigações da Venezuela com a China, ele não fez nenhuma assertiva similar para Moscou. A Rússia é considerada crucial para a sobrevivência do regime chavista – o Kremlin repetidamente socorreu Maduro e seu antecessor Hugo Chávez e entregou à Venezuela ao menos 17 bilhões de dólares em empréstimos e linhas de crédito desde 2006.

Caso o presidente russo, Vladimir Putin, decida abrir outra linha de crédito ou mesmo continuar a comprar ouro a uma taxa reduzida, a situação atual pode virar uma crise prolongada na Venezuela.

Helima Croft, chefe global de estratégia de commodities da RBC Capital Markets, disse que a questão agora é se Putin acredita que "alguns bilhões de dólares a mais preservarão um regime que continua vagamente ou estreitamente alinhado a Moscou".

"A Rússia não só está recebendo petróleo, mas também ganhou acesso a áreas muito boas na Venezuela", disse Croft.

Ironicamente, caso Moscou permita que a Venezuela dê um calote, a Rússia poderá fazer valer sua penhora sobre o bem mais valioso da Venezuela: a petrolífera americana Citgo. Em 2016, Maduro obteve um novo empréstimo ao dar à petrolífera russa Rosneft uma participação de 49,9% na Citgo como garantia. Além disso, os 50,1% restantes – detidos pela petrolífera estatal venezuelana PDVSA – também estão atrelados a uma emissão de títulos de propriedade russa.

"Não seria estranho os russos tentarem exercer o penhor, simplesmente porque seria muito perturbador e caótico para os Estados Unidos", disse Dallen.

No fim de janeiro, no entanto, as coisas se tornaram mais complicadas para Moscou depois que Washington impôs sanções às exportações de petróleo da PDVSA para os EUA. Moscou descreveu a proibição como ilegal, e o vice-ministro das Finanças da Rússia, Serguei Storchak, afirmou que espera por problemas para Maduro.

"Tudo depende agora do Exército, dos soldados e da fidelidade deles ao seu dever e juramento. É difícil, impossível fazer uma avaliação diferente", disse Storchak.

Se os russos quiserem recuperar seu dinheiro, podem se lembrar de sua própria situação quando deram default de 40 bilhões de dólares em empréstimos da era soviética em 2000. Na época, Putin e os credores da Rússia concordaram com uma reestruturação da dívida, e, três anos depois, o país rico em petróleo e gás natural obtinha de novo o grau de investimento.    

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