Milhares protestam contra restrição ao aborto na Polônia
31 de outubro de 2020Dezenas de milhares de poloneses protestaram na noite desta sexta-feira (30/10) em Varsóvia contra o endurecimento da lei do aborto no país. O ato foi o maior já realizados dos últimos nove dias seguidos de protesto desde a polêmica decisão da Justiça da Polônia proibindo interrupção da gravidez em casos em que o feto apresenta deformações graves irreversíveis.
Desafiando as medidas restritivas impostas para conter o avanço da segunda onda de covid-19, que limita a participação de no máximo cinco pessoas em reuniões públicas, milhares de mulheres e homens caminharam pelas ruas do centro da capital polonesa com guarda-chuvas pretos, um símbolo dos protestos pelo direito ao aborto, e cartazes com os dizeres "eu penso, eu sinto, eu decido" e "Deus é mulher".
De acordo com os organizadores e a prefeitura de Varsóvia, a marcha reuniu cerca de 100 mil manifestantes. "Estamos prontos para lutar até o fim", disse Marta Lempart, cofundadora do movimento Greve das Mulheres, que lançou a convocação para a manifestação, que levou um grande número de agentes de segurança a percorrer as ruas da capital.
O prefeito de Varsóvia, Rafal Trzaskowski, também participou do ato. A marcha reuniu ainda muitos jovens e famílias com crianças. Alguns defendiam a renúncia do governo polonês.
Apesar das rígidas restrições de reuniões públicas, a Polônia tem registrado manifestações maciças contra a decisão, tanto em áreas urbanas mais liberais quanto em cidades menores tradicionalmente conservadoras. As organizações de direitos das mulheres por trás dos atos enfrentam várias ações legais por descumprirem as medidas restritivas.
Grupos de extrema de direita, que apoiam a restrição ao aborto, se reuniram também em um número muito menor em Varsóvia. Imagens divulgadas pela imprensa mostraram ainda confrontos entre a polícia e extremistas de direita que queriam avançar sobre os manifestantes. Vários foram presos.
Protestos diários
Os protestos em massa começaram na semana passada quando o Tribunal Constitucional da Polônia decidiu que a realização de abortos por anormalidade fetal viola a Constituição. A decisão significa uma proibição quase total da interrupção da gravidez em um país que já tem algumas das leis abortivas mais rigorosas da Europa.
Antes da decisão, que é inapelável, a Polônia permitia abortos apenas por anomalias fetais, ameaça à saúde da mãe ou em caso de incesto ou estupro.
O debate sobre o aborto reflete a ampla polarização da sociedade polonesa, um país-membro da União Europeia (UE) que tem um governo nacionalista e populista de direita defensor de valores religiosos tradicionais.
Cerca de 2.000 abortos legais por ano eram realizados no país, de acordo com dados oficiais, sendo que a esmagadora maioria era motivada por anormalidades fetais, razão que agora foi vetada. ONGs estimam ainda que o número de abortos realizados clandestinamente na Polônia ou por polonesas em clínicas estrangeiras chegaria a quase 200 mil por ano.
O governo polonês defendeu o endurecimento da legislação alegando que ele acabaria com os "abortos eugénicos", mas organizações de direitos humanos argumentam que a mudança forçará as mulheres a dar à luz crianças incapazes de sobreviver.
Em um esforço para tentar aliviar as tensões, o presidente polonês, Andrzej Duda, propôs nesta sexta-feira um projeto de emenda à lei de aborto que, de acordo com o primeiro-ministro, Mateusz Morawiecki, "resolve os dilemas e preocupações levantados". A alteração, no entanto, reintroduziria a possibilidade de interrupção da gravidez apenas em casos de anomalias fetais que apresentassem risco imediato de vida.
O governo também acusou os manifestantes de estarem colocando em risco à vida de idosos, ao descumprir as medidas de distanciamento. Neste sábado, o país registrou um recorde novos casos de covid-19. Em 24, foram contabilizadas 21.987 novas infecções, elevando o total para 362.731. A Polônia registrou ainda 5.631 mortes ligadas à doença.
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