Eleições estaduais viram plebiscito sobre política de Merkel
7 de março de 2016Ellwangen, no estado de Baden-Württemberg, no sul da Alemanha, é um município bem situado, com menos 25 mil habitantes, grande parte dos quais de classe média, e taxa de desemprego quase zero. Lá o partido conservador União Democrata Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, é uma força política importante – ainda.
No fim de 2014, a cidade fez manchetes ao se declarar disposta a acolher até mil refugiados e acabou famosa por sua hospitalidade. Só que chegou muito mais gente do que o esperado: em meados de 2015 já havia cerca de 4.600 imigrantes.
Quando o clima amigável já desandava, um tiro acirrou os ânimos: em meio à praça do mercado, um sírio foi atingido na cabeça, por sorte sem maiores consequências. Pancadarias nos abrigos para refugiados contribuíram para elevar a tensão. Agora vai haver eleição na cidade. E naturalmente o tema central é a política migratória de Merkel.
No próximo domingo (13/03), cerca de 12,6 milhões de eleitores irão às urnas nos estados de Baden-Württemberg, Renânia-Palatinado e Saxônia-Anhalt. Nunca os votos da província tiveram tanto peso para a política federal alemã: temas estaduais clássicos, como educação ou ordem policial, estão inegavelmente ofuscados pelo tema maior, a política para refugiados.
Populistas lucram no mundo invertido da política alemã
A insistência da chefe de governo no princípio das fronteiras abertas bagunça as frentes de combate clássicas da política alemã. Nesse mundo invertido, parte da oposição aplaude a opção de Merkel e um terço da CDU se opõe abertamente à própria líder do partido, cujas bases oscilam entre a agressão e a resignação. Já a União Social Cristã (CSU), partido irmão da CDU, ameaça até mover uma ação contra a chanceler.
Entre os que lucram com essa situação está a legenda populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD). É possível que, na história da política partidária do pós-Guerra, nunca uma organização política tenha crescido tão rapidamente com tão pouco esforço próprio na Alemana.
Simplesmente açulando os medos do assim chamado "cidadão preocupado", o partido recém-fundado se fortaleceu no espaço de meses e já está representado em cinco parlamentos estaduais. Segundo pesquisas, o apoio eleitoral à AfD já ultrapassa os 10% nos três estados em que vai se votar em 13 de março.
E assim se tornaria realidade o pior pesadelo da CDU: que mais à direita dela uma legenda populista viesse a fincar pé politicamente – neste caso, a Alternativa para a Alemanha.
Saxônia-Anhalt sob o medo de novas mudanças
Em nenhuma outra região a perplexidade diante das reviravoltas sociais na Alemanha é tão grande como no Leste, nos estados que formavam a extinta Alemanha Oriental. Sociólogos e especialistas em demoscopia concordam: as permanentes transformações desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, desestabilizaram os alemães orientais a ponto de toda forma de mudança ser percebida como uma imposição.
O governador da Saxônia-Anhalt, o democrata-cristão Reiner Haseloff, confirma que, sob a pressão da onda migratória, seu estado vem tendendo fortemente para a direita política. Assim, a CDU cai na preferência do eleitorado, à medida que cresce o apoio à AfD.
Haseloff alega que a Saxônia-Anhalt consegue integrar no máximo 12 mil refugiados por ano. Segundo o conselho estadual para refugiados, até o fim de 2015 haviam sido registrados 41 mil – um terço, porém, seguiu viagem.
Governo verde e conservador em Baden-Württemberg
Baden-Württemberg, o estado industrial-modelo da Alemanha, é considerado a pátria sentimental da União Democrata Cristã. Assim, é curioso que justamente lá tenha sido eleito, há cinco anos, o primeiro governo estadual do Partido Verde na história do país. Por outro lado, o governador é um verde bastante atípico.
Winfried Kretschmann, professor do curso médio de química, biologia e ética, é um homem de valores conservadores e defensor da realpolitk. Ele próprio classifica sua filiação a um grupo marxista-leninista, nos tempos de estudante, de "erro fundamental". Católico praticante, afirma publicamente que reza todos os dias por Merkel.
Ao contrário de grande parte da própria legenda da chanceler federal, o político de 67 anos aplaude a política para refugiados de Merkel. Segundo observadores, sob os verdes de Kretschmann, é como se Baden-Württemberg fosse governado por uma "nova CDU".
Essa proximidade e simpatia diminuem bastante as chances dos "verdadeiros" democrata-cristãos no estado do sul alemão, nas eleições de 13 de março. Até por que o candidato do partido ao governo, Guido Wolf, de 54 anos, é um concorrente pouco popular em comparação com Kretschmann.
Renânia-Palatinado: entre lealdade e ascensão política
As chances de Julia Klöckner como candidata democrata-cristã na Renânia-Palatinado são bem melhores do que as de Wolf. Na CDU, ninguém domina tão bem quanto ela o complicado balanço entre lealdade ostensiva a Merkel e ataques controlados à política migratória de Berlim.
Pupila política da chanceler e, desde 2012, sua vice à frente da CDU, a filha de vinicultores de 43 anos é considerada mestre da política do "tanto isso como aquilo". Já em 2014 ela reconheceu que os refugiados seriam um tema duradouro e explosivo para a política nacional. Assim, em sua campanha, ela sinaliza que leva a sério as apreensões do "cidadão preocupado", ao mesmo tempo em que se mantém verbalmente fiel a Merkel.
Klöckner poderá se converter na grande vitoriosa do fim de semana para os conservadores, em meio a resultados possivelmente fracos para a CDU nos três estados. Especialmente se ela conseguir formar um governo de coalizão na Renânia-Palatinado, e Merkel continuar perdendo apoio da população.
Então, num partido de núcleo enfraquecido – sendo a única exceção o atual ministro das Finanças, o veterano Wolfgang Schäuble – Klöckner passaria a ser um nome central nos quadros democrata-cristãos.