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EUA sob suspeita de usar bases na Alemanha para espionar dados

Marcus Lütticke (av)4 de agosto de 2013

Gráficos da NSA sobre o programa XKeyscore, divulgados pelo "Guardian", sugerem presença de sistemas para interceptação de dados no país. Herança da Guerra Fria, bases dos EUA abrigam mais de 50 mil soldados.

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Foto: picture-alliance/dpa

Desde as primeiras revelações do ex-analista de inteligência norte-americano Edward Snowden, em junho, os serviços secretos alemães estão sob suspeita de colaborar ativamente com as atividades ilícitas de vigilância de dados do governo dos Estados Unidos.

Em artigo recente, o jornal britânico The Guardian divulgou imagens e tabelas utilizadas no treinamento para o programa de espionagem da internet X-Keyscore, da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA). Um dos gráficos leva a crer que também sejam interceptados dados de servidores localizados na Alemanha.

Até então, só havia conhecimento de que os serviços secretos americanos filtravam dados que passam por seu território nacional. Agora, especula-se que o acesso a pontos nodais de internet alemães possa ser realizado ou apoiado a partir das bases militares dos EUA na Alemanha.

Proximidade física ajuda

Numa herança do desfecho da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria, mais de 50 mil soldados norte-americanos continuam estacionados em solo alemão – um número superior ao total das forças armadas de países como a Bélgica. Ao todo, o Pentágono mantém várias centenas de estações militares internacionais, numa rede que engloba todo o planeta.

Sandro Gaycken, especialista em informática da Universidade Livre de Berlim, acha muito provável que os Estados Unidos utilizem suas bases espalhadas pelo mundo para grampear canais informáticos. "É útil a proximidade física dos centros de dados que se queira atacar. Por isso, essa noção é perfeitamente plausível", comentou, em entrevista à Deutsche Welle.

Deutschland Internet Sandro Gaycken
Sandro Gaycken, especialista em TI da Universidade Livre de BerlimFoto: picture-alliance/dpa

Indagado se tal forma de monitoração poderia acontecer sem o conhecimento do governo alemão, Gaycken disse ser possível, mas não muito provável. "Quando se trata de servidores em países aliados, também pode ser que o acesso direto esteja assegurado através de certos contratos, e [os que monitoram] estão, por assim dizer, legalmente dentro do sistema."

Clandestinidade legitimada

De fato, existem tratados binacionais regulando as atividades do serviço secreto norte-americano nas estações militares alemãs. A permanência de soldados dos EUA em solo alemão está fundamentada no Estatuto de Tropas da Otan (Sofa, na sigla em inglês) de 1951.

Em 1968, a Lei G10 forneceu o fundamento legal para a vigilância de correspondência escrita e de telecomunicações pelos serviços de informações da Alemanha; e um acordo administrativo acessório à G10 estendeu aos serviços secretos aliados o direito de monitorar e vigiar, no interesse da segurança de suas próprias tropas.

Nesta sexta-feira (02/08), o Ministério alemão do Exterior declarou que "acordo administrativo de 1968/69 relativo à Lei G10" com os Estados Unidos e o Reino Unido foi rescindido "de comum acordo". Segundo o ministro do Exterior, Guido Westerwelle, esta seria "a consequência necessária e correta dos últimos debates sobre a proteção da esfera privada".

A declaração, contudo, não serviu para esclarecer a situação de forma decisiva. Pois consta que o acordo já perdera o sentido, de fato, e há anos não era mais posto em prática. Segundo um porta-voz do Ministério britânico do Exterior, desde 1990 o país não mais se utilizava do acordo.

Grafik mit XKeyscore-Standorten
"Onde está o X-Keyscore?": gráfico da NSA divulgado pelo jornal "The Guardian"Foto: picture alliance/APA/picturedesk.com

Concessões para "atividades analíticas"

E assim, seguem as especulações sobre como a NSA atua na Alemanha, legal ou ilegalmente. De um modo geral, Berlim está ciente de que os serviços secretos americanos estão ativos nas bases dos EUA em território alemão.

Um indício disso esteve na resposta do Ministério alemão da Defesa a um inquérito do partido A Esquerda, em 2011, sobre benefícios para pessoas físicas e jurídicas a serviço das Forças Armadas norte-americanas na Alemanha.

Em seu relatório, o Ministério da Defesa citou 207 firmas que recebem concessões para "serviços analíticos". Entre as atividades concretamente mencionadas, estão "Senior Intelligence System Analyst" ou "Signal Intelligence Analyst".

Numa coletiva em 31 de julho, o governo alemão revelou que "atividades analíticas" se refeririam a prestações de serviços técnico-militares – o que isso significa, exatamente, ainda está sendo averiguado.

Firma de Snowden

As concessões a firmas norte-americanas para atividades de inteligência na Alemanha estão acordadas em numerosas notas diplomáticas, de 2001 até o momento. Assim, numa nota do Ministério do Exterior de 25 de novembro de 2008, também a empresa Booz Allen Hamilton – para a qual trabalhava o informante foragido Edward Snowden – recebeu uma licença para "operações de serviços de informações" na Alemanha.

Essas firmas também poderiam trabalhar para a NSA no assim chamado "Dagger Complex" em Griesheim, próximo a Darmstadt, onde operam mais de mil agentes secretos dos EUA, num complexo arquitetônico em grande parte subterrâneo.

Erich Schmidt-Eenboom
Erich Schmidt-Eenboom é estudioso de serviços de inteligênciaFoto: imago stock&people

Segundo o especialista em serviços secretos Erich Schmidt-Eenboom, "o governo federal teria a possibilidade de exigir dos americanos que uma estação como a de Griesheim fosse fechada, se insistisse no argumento de que, a partir de lá, eles estão atentando contra os direitos civis alemães".

"Isso, no entanto, seria um caso de confrontação, também entre os serviços secretos. E esse é um luxo a que o pequeno Serviço Federal de Informações da Alemanha (BND) não pode se dar, diante das grandes agências dos EUA", concluiu Schmidt-Eenboom.