Festivais unem música e arte digital em Berlim
1 de fevereiro de 2013Se divertir, mas também refletir. Essa seria a melhor maneira de definir a parceria entre dois grandes eventos que tomam conta da capital alemã nesses últimos dias do frio mês de janeiro: os festivais CTM e Transmediale.
O CTM tem como objetivo levar para diversos palcos da cidade uma música inovadora, que vai do pop ao eletrônico, sempre dando grande espaço ao experimental. Já o Transmediale é uma grande plataforma que busca novos caminhos para a expressão artística, através da tecnologia e da arte digital. Assim, o festival é uma plataforma multidisciplinar que reúne artistas capazes de refletir e remodelar a produção cultural contemporânea.
Artistas como Laurie Anderson, Matmos e Iceage participam dos festivais, que são irmãos, parceiros e complementares. Com uma extensa programação de shows e apresentações durante a noite e um amplo calendário de eventos diurnos – incluindo workshops, instalações, discussões, exposições, filmes e apresentações – os eventos mostram os desenvolvimentos tecnológicos, as novas tendências e o reflexo social criado pelas manifestações artísticas.
Era do ouro
O contraste sempre esteve presente na programação do CTM, festival dedicado à música e arte ousada ou aventureira, como o próprio evento se denomina. Em seus quase 15 anos, o festival acompanhou e incentivou a produção de música contemporânea, sempre buscando novos caminhos. Ecletismo e abstração também são palavras que definem o espírito do CTM.
O tema deste ano é Golden Age (era do ouro, em inglês) e reflete a abundância da música no mundo moderno e suas consequências individuais, estéticas e políticas. Nunca o mundo vivenciou tal ecletismo e quantidade de produção musical, reflexo do barateamento e da facilidade de produção. Outro ponto que mudou muito é a distribuição e a possibilidade de contato direto entre artista e público.
Golden age é uma vasta exploração do mundo da música hoje, mostrando artistas com pontos de vista bem distintos, mas que querem desenvolver e pensar a música que vão levar para as pistas – como uma grande arena que experimenta e questiona os caminhos da cultura pop contemporânea.
Plutão como metáfora
O Transmediale chega à sua 26º edição e tem como tema Bwpwap – Back when Pluto was a Planet (no tempo em que Plutão era um planeta, na tradução livre do inglês).
A sigla Bwpwap é um jargão da internet que fala de eventos no passado ou que possuem um caráter anacrônico. No contexto do festival, ela não necessariamente remete à nostalgia, pelo contrário, a reclassificação de Plutão é usada como uma metáfora da facilidade e rapidez com que nosso imaginário cultural pode mudar e ser contestado.
O Transmediale tem um enfoque ambicioso e ousado, que por meio de exposições, conferências, workshops e performances, leva o público a refletir, não só sobre o passado, mas sobre lugares não realistas e poéticos – aqueles que só são alcançados através da catarse artística e intelectual.
Parcerias inusitadas
Com um programa em comum, e com conceitos complementares, os destaques pertencem em parte aos dois festivais e propõem essa reflexão dentro do trabalho dos próprios artistas que criam projetos especiais e parcerias inusitadas.
O alemão Hendrik Weber, conhecido como Pantha du Prince, leva aos palcos o seu mais novo trabalho de estúdio, Elements of Light, parceria dele com os noruegueses do The Bell Laboratory. O músico, conhecido pelo seu techno minimalista, criou uma sinfonia colaborativa que une eletrônica, percussão e carrilhão, instrumento formado por um conjunto de sinos.
Já Ouinessiess é o trabalho não linear de 32 horas do artista Terre Thaemlitz, que relaciona espiritualidade com os padrões socioeconômicos nos quais a música é produzida e comercializada. Ambivalente, violenta e confessional é o que promete ser a parceria entre Eugene S. Robinson e Jamie Stewart, da banda Xiu Xiu, num projeto que mistura samples, instrumentos e spoken word.
Graunacht não é apenas o nome de uma gravadora berlinense, mas o reflexo sonoro e experimental do trabalho visual do artista francês Nicolas Moulin, baseado em paisagens urbanas desoladas e a destruição da natureza. Com a participação de Andy Scott, um dos produtores ingleses mais aclamados da atualidade, Rave Undead II reinventa o grito de liberdade e hedonismo das raves dos anos 1990 e concretiza seu dramático e inevitável renascimento.
Narrativas codificadas
A instalação Coded Narratives é guiada e inspirada pelo código Morse, um sistema de comunicação declarado morto em 1999. "Meu pai me ensinou como as mensagens eram geradas, a ideia do projeto surgiu de uma conversa com ele", disse Vanessa Ramos-Velasquez, artista carioca que vive em Berlim e foi a idealizadora do que ela chama de "performance sensorial, transmídia e interativa".
O trabalho de Ramos-Velasquez explora as diferenças entre a forma como as pessoas se comunicavam há alguns anos e as liberdade e escolhas da nova era digital. “Queria usar a interlocução entre antigas e novas tecnologias. Fui acompanhando o desenvolvimento das novas mídias e seu reflexo no comportamento humano, por isso sempre tento envolver o público em minhas instalações e performances”, explicou a carioca.
A performance une música ao vivo e improvisação. A plateia cria textos através de um iPad, que são projetados no palco. Os textos são transformados em sons binários do código Morse. No palco, o músico inglês A Guy Called Gerald transforma esses sons, adicionando camadas pré-progamadas e criando uma trilha sonora ao vivo.
"Conheci o Gerald quando morávamos em Nova York, através da Bebel Gilberto. Anos depois, quando já morava em Berlim, encontrei com ele, que também havia se mudado para cá. Ele era a pessoa ideal para o projeto, pois tem um talento muito grande para a composição", disse Ramos-Velasquez.
O objetivo da performance é criar um diálogo de acordo com a temática dos festivais e extinguir a divisão entre plateia e artista. "Eles também são produtores culturais do evento. Quero criar um ambiente intimista, como uma roda em volta da fogueira, onde juntos construimos a narrativa", completou a artista.
Autor: Marco Sanchez
Revisão: Alexandre Schossler