Logo depois da vitória sobre o Wolfsburg no último sábado – vitória essa que provavelmente definiu o 30º título da Bundesliga para o Bayern –, Hansi Flick informou que pretende deixar o clube ao final da temporada e pedirá a rescisão do seu contrato, antecipando-se dessa forma à pergunta sobre o seu futuro que deveria estar na ponta da língua dos repórteres presentes.
O conflito entre o técnico e o diretor de esportes, Hasan Salihamidzic, já não era mais segredo para ninguém e a decisão de Flick é uma consequência lógica da deterioração do relacionamento entre os dois que, por sinal, já estava ocorrendo há mais de um ano.
Logo depois da eliminação do Bayern da Champions League pelo PSG, ainda em Paris, Flick deixou o diretor Karl Heinz Rummenigge informado sobre sua decisão. No dia seguinte, já em Munique, conversou com o mais novo membro da diretoria, Oliver Kahn, sobre as formalidades da rescisão do seu contrato e não se deu ao trabalho de procurar seu superior imediato Hasan Salihamidzic por entender que seria uma perda de tempo.
Depois da partida com o Wolfsburg, Flick reuniu o time no vestiário para falar sobre sua decisão e confirmou que a diretoria foi devidamente informada a respeito. Foi um choque para a equipe e consta que alguns jogadores não contiveram as lágrimas.
Foi só então que o técnico veio a público e soltou a bomba.
A diretoria do clube reagiu 24 horas depois com um curto comunicado oficial no qual laconicamente "desaprova a atitude unilateral" de Flick por entender que o assunto só seria tratado depois da partida com o Mainz no próximo fim de semana.
Do ponto de vista dos chefões bávaros, um técnico, seja quem for, tomar a iniciativa de dizer publicamente que não tem mais interesse de trabalhar no todo poderoso Bayern, equivale à uma afronta. O último que, por vontade própria, deixou o clube foi Pep Guardiola e mesmo assim, só depois de ter cumprido o seu contrato.
Nos últimos anos, muitos foram demitidos com seus contratos em vigor. Só para citar alguns exemplos: Jürgen Klinsmann, Louis Van Gaal, Carlo Ancelotti e Niko Kovac foram postos no olho da rua. Nem Jupp Heynckes, o amigão de Uli Hoeness, escapou. Foi obrigado a engolir o sapo de sua aposentadoria compulsória quando ficou sabendo pela mídia que um novo técnico para sucedê-lo já havia sido contratado, no caso Pep Guardiola. E isto em 2013, o ano da tríplice coroa.
De todo modo é justo perguntar: como a diretoria do Bayern deixou evoluir um conflito que acabou por levar seu mais bem sucedido técnico dos últimos anos a pedir demissão?
Fato é que pelo menos desde janeiro do ano passado Flick e Salihamidzic não se bicam. Jogadores que o técnico fazia questão de manter no time, como Thiago Alcântara, Perisic, Boateng e Alaba foram deixados de lado pelo diretor de esportes e acabaram sendo dispensados. No quesito novas contratações, Flick também não foi atendido por "Brazzo". O técnico queria Timo Werner e Kai Havertz, mas foram contratados jogadores que rigorosamente nada acrescentaram ao time do Bayern. Flick, por mais que se esforçasse, não enxergou em Marc Roca, Bouna Sarr e Douglas Costa, peças que pudessem ser encaixadas em sua visão para o futuro time do Bayern. Representaram apenas despesas adicionais sem retorno.
Discussões aos gritos entre os dois passaram a ser normais e foram testemunhadas por funcionários do clube e jogadores. Flick e Salihamidzic teriam chegado até às vias de fato.
Causa estranheza que a diretoria tenha deixado esse conflito chegar ao ponto de não retorno. Falhou miseravelmente. Não fez uma tentativa de chegar a um acordo, não procurou mediar as discussões, não interveio nem que fosse à maneira bávara – com um soco na mesa.
Flick deixa o clube de cabeça erguida e por cima da carne seca. A sorte dos chefões do Bayern é não haver público nos estádios porque se houvesse certamente a torcida daria o seu recado. Em recente enquete, mais de 90% de dezenas de milhares de torcedores se manifestaram pela permanência do técnico no clube em detrimento de Hasan Salihamidzic.
A saída do bem-sucedido treinador será um divisor de águas. O Bayern perde um profissional que poderia implantar uma nova era no clube. Flick demonstrou à exaustão como construir, a partir de um elenco repleto de talentos individuais, uma unidade coletiva compacta colecionadora de títulos e isso em pouco mais de um ano.
Resumindo: Flick cai como uma luva para dirigir a nova seleção alemã.
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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças.