França "descobre" segurança como lema de campanha eleitoral
26 de outubro de 2006Nesta sexta-feira (27/10), completa-se um ano desde o início dos tumultos que assolaram a capital francesa durante três semanas em 2005, deixando um saldo de dois mortos e mais de nove mil veículos incendiados. Segundo informa o diário francês Le Figaro, o clima na periferia é visto pelas forças policiais e pelo serviço secreto do país como "febril".
Tudo como antes
Os fatores que desencadearam a revolta há um ano atrás continuam presentes, aponta Henri Rey, diretor de pesquisa do Cevipof (Centre de Recherches Politiques de Sciences Po). "Nada mudou desde então", observa Rey, lembrando que as taxas de desemprego entre os jovens que os subúrbios das grandes cidades, em sua maioria procedentes dos países do Magreb e da África subsaariana, continua girando em torno de 40%.
O governo conservador e principalmente o ministro francês do Interior, Nicolas Sarkozy, contestam as críticas, afirmando terem tomado várias medidas desde então, como por exemplo a transferência de aproximadamente 80 milhões de euros para um fundo de apoio a organizações gerenciadas pelos próprios moradores dos banlieues. As vozes críticas, porém, afirmam que tais verbas representam apenas uma gota no oceano, tendo desaparecido no emaranhado de 14 mil associações atuantes nas regiões em questão.
De olho nas urnas
Barbara Riedmüller, cientista política da Universidade Livre de Berlim, observa que "os franceses investem muito menos em segurança pública que os alemães. Aqui, há muito mais policiais nas ruas e mais sistemas de vigilância nos metrôs, por exemplo", aponta Riedmüller.
Os próprios franceses, por outro lado, vêem a situação com outros olhos. "Sarkozy conquistou uma imagem de combate a esse problema", afirma Rey. "Neste aspecto, suas medidas foram um sucesso". Um "sucesso" a partir do qual o político espera colher os frutos no próximo 22 de abril, quando os franceses vão mais uma vez às urnas – num pleito no qual Sarkozy pretende herdar a cadeira do atual presidente Jacques Chirac.
Tudo indica que o ministro do Interior pretende trilhar seu caminho rumo ao Palácio do Elysée às custas de punições aos jovens revoltosos. Na última semana, Sarkozy, que é presidente do partido de direita União por um Movimento Popular (UMP) e durante os conflitos há um ano atrás havia chamado os rebeldes de "gentalha", prometeu medidas ainda mais austeras contra os que atacarem forças policiais ou do corpo de bombeiros em conflitos no país.
Socialistas contra-atacam com "política de austeridade"
Também o Partido Socialista, que deverá definir seu candidato à presidência até fins de novembro próximo, incluiu a "segurança interna" e a "criminalidade jovem" entre seus lemas de campanha. "Vamos adotar uma política de austeridade contra a criminalidade e suas causas", anuncia Ségolène Royal, a favorita para concorrer pelo Partido Socialista e que até agora se mantém à frente dos concorrentes Laurent Fabius e Dominique Strauss-Kahn.
Até agora, o PS havia defendido apenas uma política de prevenção da violência através de uma "polícia da proximidade", diz o especialista Rey. A proposta era a de criar uma relação de maior confiança entre forças policiais e os habitantes da periferia, visando uma redução da violência.
Uma medida extremante necessária, uma vez que a escalada da violência é visível dos dois lados. Nas últimas semanas, vários policiais foram atacados sorrateiramente, apedrejados e espancados. Isso enquanto os habitantes dos subúrbios acusam a polícia de abuso do poder em batidas humilhantes, ataques verbais e uso de violência fisica.
Volta ao "pesadelo de 2002"?
Caso os dois grandes partidos UMP e PS voltem realmente suas campanhas para o assunto "segurança interna", quem pode sair ganhando é a Frente Nacional, facção de extrema direita encabeçada por Jean-Marie Le Pen. Nas útlimas eleições presidenciais no país, 74% do eleitorado da Frente Nacional apontava a falta de segurança como uma das razões de terem escolhido o partido. Neste pleito de 2002, Le Pen arrecadou mais votos que o então candidato do PS, Lionel Jospin, tendo concorrido com Jacques Chirac até o fim.
Com medo de um revival do "pesadelo de 2002", artistas e músicos, que vêm dos banlieues, conclamam os jovens dos subúrbios a irem às urnas. O rapper Joe Starr, ele próprio processado algumas vezes sob a acusação de lesão corporal, exige dos habitantes da periferia que "parem, enfim, de se fazerem de vítima".