Revolucionários conservadores?
17 de março de 2006Depois dos protestos recentes na periferia de Paris, as autoridades francesas ficam de orelha em pé todas as vezes que alguém vai às ruas protestar contra alguma coisa. Há uma semana, elas têm testemunhado o que há muito não viam. Manifestantes não nos subúrbios esquecidos, mas em pleno Boulevard Saint-Germain, na Sorbonne e em mais de 50 das 84 universidades do país.
Embora protestos estudantis sejam vistos, via de regra, como um sinal de rebeldia por excelência, os jovens franceses estão indo às ruas em defesa do que já têm. Eles querem impedir mudanças nas leis trabalhistas, que eliminariam a segurança no emprego daqueles que não completaram 26 anos e ingressam no mercado de trabalho.
Em defesa do status quo
Analistas acreditam que é pouco provável que os jovens habitantes dos banlieues venham a se agregar aos protestos da classe média – pois esta está, na hierarquia social do país, bem longe do desemprego crônico dos descendentes de imigrantes da periferia.
"A França tem o maior índice de desemprego entre jovens de toda a Europa – 23%. Nos banlieues, este índice chega a até 50%. Mas enquanto os imigrantes badernam contra o status quo, os estudantes são revolucionários conservadores, que lutam para que nada mude", sentencia o semanário alemão Die Zeit.
Estes estudantes pretendem se manter nas ruas até que o governo abdique da idéia de permitir às empresas despedir jovens profissionais sem justa causa. Aproximadamente 300 pessoas foram detidas até agora, enquanto o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, credita os tumultos "a radicais de esquerda e de direita".
A polícia registra mais de 40 policiais feridos e cerca de 250 mil escolares e estudantes nas ruas. O dobro do registrado no último 7 de março e duas vezes mais do que o total de manifestantes de 7 de fevereiro. Os organizadores dos protestos falam em 500 mil participantes.
Enfraquecendo Villepin
O líder da oposição, François Hollande, acusa o premiê Dominique de Villepin de se negar a dialogar após querer implementar as leis "de forma brutal". Possivelmente a lacuna ideal encontrada pelo Partido Socialista, a 15 meses das eleições.
Hollande é, por acaso, o companheiro e pai dos filhos da atual estrela da mídia francesa na política: Ségolène Royal. Cogitada para ser a primeira mulher a ocupar a presidência da França, ela até hoje governa apenas a região de Poitou-Charentes. Três vezes ministra nos anos 90 (Meio Ambiente, Educação e Família), a política de 52 anos que apoiou abertamente a candidatura recente de Michelle Bachelet no Chile teve seu nome estampado nas últimas semanas em incontáveis jornais europeus.
Madame Royal
"Ao lado de Royal, a maioria dos políticos parece pálida e envelhecida. Mesmo aqueles que têm a mesma idade dela. Ninguém consegue superar melhor que ela o abismo entre o moderno e a tradição", elogia o diário berlinense taz.
Ségolène Royal é mãe de quatro filhos e vive há anos com Hollande, mas não são casados oficialmente. Pouco depois do nascimento de sua filha mais nova, ela posou para a imprensa, já exercendo o cargo de ministra, com o bebê no colo.
Ao lado de tais posturas não convencionais, Madame Royal escorrega para a direita com posições contra o casamento homossexual e com uma conivência em relação ao uso da energia atômica. Aspectos que fazem da atual darling da mídia francesa uma personalidade de difícil definição. "Apesar de sua carreira em Paris, ela é tida como antielitista", observa o semanário alemão Die Zeit.
Apoio dos jovens
"O maior apoio ela recebe dos jovens eleitores e das mulheres. O eleitorado liberal de direita também costuma gostar dela. Entre os de esquerda, que mantêm uma postura crítica frente à União Européia, ela tem dificuldades de ser aceita. Assim como a direção do Partido Socialista, ela também defendeu com veemência a Constituição da UE", analisa o diário taz.
Ségolène Royal já afirmou publicamente que "se o partido quiser, estarei à disposição", quando o assunto era sua possível candidatura à presidência do país. Entre seus campos de ação preferidos, está o que seu partido chama de participação democrática. "Um de seus projetos mais importantes é um programa de orçamento participativo, no qual os cidadãos podem tomar decisões sobre mais de 10% do destino das verbas da região", comenta o Die Zeit.
Ségolène Royal carrega certamente menos as bandeiras da economia globalizada e do mercado e mais o imediatismo dos problemas sociais do país. Talvez exatamente por isso seu nome venha à tona quando os franceses vão às ruas protestar contra os benefícios sociais que lhes vão sendo reduzidos.