Futuro incerto
27 de dezembro de 2009A certo ponto, o Iraque parecia condenado a uma espiral de violência quase interminável. Em seu momento mais letal, os pesados anos do fuzil e da bomba foram uma combinação brutal de ataques terroristas, combates sectários internos, atividade criminosa ostensiva, assim como a ação militar das forças de coalizão – e os combates a elas.
Segundo o jornal médico britânico The Lancet, ao todo, esses fatores foram responsáveis pela morte de 600 mil a mais de 1 milhão de pessoas, a maioria civis. Conter a carnificina parecia uma tarefa improvável e desalentadora. O mesmo se aplicava à tentativa de fazer sentido da unidade nacional pós-Saddam, sua coesão, força e viabilidade como um Iraque nascente, neodemocrático.
Como sempre, o diabo está na combinação, na trama complexa da sectária história do país, nas fraturas tribais, multiculturais, religiosas e regionais – uma realidade que os invasores estavam pessimamente preparados para enfrentar.
"Al Qaeda é sintomática, não sistêmica"
Mas nos últimos tempos há indicadores de que a intervenção militar liderada pelos Estados Unidos começa a surtir efeitos positivos. O fortalecimento de uma democracia frágil, especialmente na ausência de uma tradição do gênero; a incapacidade da violência de sabotar as eleições, mesmo onde estas ficaram comprometidas: estes e outros fatos apontam o caminho para um Iraque melhor.
Se a perspectiva não é de um país livre de violência, então pelo menos que seja mais capaz de contê-la, de modificar e desenvolver sua própria cultura política, de novamente se concentrar em reconstrução, crescimento, estabilidade e naquele senso de maior segurança que almeja a maior parte da população cansada da guerra.
Mas os bombardeios recentes significam que a hidra do terrorismo pode retornar, anulando todas as conquistas passadas e futuras? A resposta de um especialista em assuntos islâmicos radicado em Canberra, Austrália, é bastante sucinta: "Não necessariamente. A Al Qaeda é sintomática, não sistêmica".
Sunitas, xiitas, curdos
Assim, segundo o analista de conflitos – que falou à Deutsche Welle sob a condição de se manter anônimo –, talvez a organização terrorista esteja apenas "mexendo na panela", aproveitando-se do tumulto político para aumentar a desestabilidade. As bombas explodem em meio a uma disputa entre sunitas e curdos quanto à distribuição de novos postos no Parlamento.
Os sunitas, que antes governavam soberanamente, temem e se ressentem de tudo que ameace transformá-los numa minoria sem direitos. Igualmente ávidos de assegurar sua primazia e soberania regional, encontram-se os xiitas, atual maioria, e os curdos, basicamente autônomos, menos numerosos porém fortes e bem organizados. Ambos os grupos sofreram severamente sob o regime de Saddam Hussein, encabeçado pelos sunitas.
Al Qaeda
Quanto ao atual status da Al Qaeda, é preciso lembrar que não se trata de um grupo monolítico e centralizado, mas sim diverso e muitas vezes fragmentado, cuja força e eficiência estão sujeitas a flutuações. Segundo o especialista islâmico, o rosto da organização no Iraque tem se alterado.
"Ela tem capacidade limitada, está dividida em diversos subgrupos que perderam muito de seu potencial de impacto. Segundo consta, a Al Qaeda inclui um braço sírio, um iraniano e um iraquiano, com diversas dissidências e colaboradores mercenários, na forma de grupos ou indivíduos."
Nacional versos sectário
Nesse contexto, embora a organização clandestina se mantenha uma presença perniciosa nos assuntos internos do Iraque, o maior desafio à estabilidade é manter as paixões sectaristas no nível do debate controlável, a ser decidido nas urnas e na discussão política acalorada, e não com mísseis, bombas e fuzis Kalashnikov.
Caso a cólera sunita volte a tomar a forma de insurreição aberta e disseminada, então é provável que as forças militares e de segurança, dominadas pelos xiitas, assumam uma identidade mais sectária, em detrimento da nacional. A consequência mais óbvia seria a insurgência da milícia xiita.
Observando tal cenário, os curdos tentariam se isolar, mas também teriam que enfrentar a exacerbação do sentimento nacionalista árabe, nas áreas onde os curdos governam uma população etnicamente diversa. O Irã, a Turquia e a Síria, por sua vez, estariam igualmente observando os eventos de perto, considerando o mini-Estado curdo de facto, no norte do Iraque, como um potencial instigador de revolta curda dentro de suas próprias fronteiras.
Retirada esperada
A esperança do cidadão médio nas ruas do Iraque, que simplesmente deseja paz e estabilidade, é que o primeiro-ministro Nuri Al-Maliki continue a demonstrar capacidade de liderança convincente e a prover segurança genuína após a retirada gradual das tropas norte-americanas, entre 2010 e 2011.
Além do mais, se a viabilidade de um Iraque sob um governo inteiramente nacional é pré-requisito para a retirada dos militares estrangeiros, então esta também poderá ser reconsiderada em Washington, caso a situação piore no país e a conclusão seja que soldados, policiais e governo de Al-Malaki não estão prontos para serem deixados sozinhos.
Até as próximas eleições, adiadas de janeiro para março de 2010, os fatos revelarão mais sobre o futuro próximo do Iraque.
Autor: Chris Kline / Augusto Valente
Revisão: Roselaine Wandscheer