Protestos contra Prêmio Adorno para filósofa crítica de Israel
11 de setembro de 2012O anúncio da cidade de Frankfurt, em maio último, de que Judith Butler receberia o Prêmio Theodor W. Adorno por sua contribuição extraordinária ao pensamento filosófico, desencadeou uma guerra de palavras especialmente violenta entre a pensadora e seus críticos.
Professora de Retórica e Literatura Comparada na Universidade de Berkeley, Califórnia, Butler é conhecida sobretudo por suas obras sobre teorias queer e dos gêneros, entre as quais Gender trouble: Feminism and the subversion of identity (1990) e Undoing gender (2004).
Mais recentemente, ela ganhou destaque como ativista política e crítica da política de Israel no Oriente Médio. Butler é adepta veemente do movimento Boycott, Divestment and Sanctions (BDS – Boicote, Desinvestimento e Sanções), que defende medidas não punitivas contra o Estado israelense.
"Judia de álibi"
Concedida a cada três anos, a distinção que traz o nome do filósofo e teórico alemão Theodor W. Adorno premia desempenhos extraordinários nos campos da música, literatura, filosofia e cinema.
Em seguida à escolha de Judith Butler em 31 de maio último, membros da comunidade judaica, acadêmicos e articulistas reagiram com um longo e corrosivo ataque publicado no jornal Jerusalem Post, condenando em especial o apoio da autora ao BDS.
Gerald Steinberg, docente de Ciência Política na Universidade Bar-Ilan, em Ramat Gan, definiu a campanha do BDS como "a acepção moderna do antissemitismo". "Butler é uma de um ínfimo número de 'judeus de álibi', usados para legitimar a guerra continuada contra Israel, seguindo uma obscura prática empregada durante séculos na diáspora", afirmou.
Stephan Kramer, secretário-geral do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, deplorou a decisão de dar o prêmio a alguém que "notoriamente odeia Israel". Conceder a distinção – que leva o nome de um filósofo forçado a fugir do regime nazista devido a sua própria herança judaica – não pode ser considerado "um mero equívoco", condenou Kramer.
"Tática de silenciamento"
Judith Butler, judia norte-americana de ascendência russa e húngara, respondeu a seus detratores num longo artigo publicado pelo website de notícias judaicas Mondoweiss. Obviamente magoada pelas críticas direcionadas contra ela, denunciou os ataques como "tática de silenciamento".
"É falso, absurdo e doloroso alguém argumentar que quem formula críticas ao Estado de Israel seja antissemita ou, se judeu, autodesprezador. Tais ataques visam demonizar a pessoa que está articulando um ponto de vista crítico, assim desqualificando de antemão seu ponto de vista." Além disso, seus adversários estariam tentando monopolizar o direito de falar em nome dos judeus, apontou a filósofa.
Um pomo da discórdia específico têm sido os comentários feitos por Butler sobre grupos políticos palestinos e libaneses, durante um fórum antibélico em 2011: "Entender o Hamas e o Hizbollah como movimentos sociais que são progressivos, de esquerda, que são parte da esquerda global, é extremamente importante".
Em sua inflamada réplica, a norte-americana alega que o sentido de seus comentários foi arrancado do contexto e seriamente distorcido. Partidária da resistência não violenta, ela afirma não endossar nem o Hamas nem o Hizbollah. "Na minha opinião, dada a minha história, é importantíssimo, como judia, pronunciar-me contra a injustiça e lutar contra todas as formas de racismo."
Contexto teuto-israelense delicado
A autora austríaca Marlene Streeruwitz, integrante da banca do Prêmio Adorno, defendeu a decisão de laurear Judith Butler. Ela declarou-se atônita diante da celeuma resultante, que classificou uma verdadeira "denunciação", e louvou a "complexa e diferenciada atitude em relação ao mundo" representada por Butler.
O democrata-cristão Felix Semmelroth, encarregado para assuntos de cultura em Frankfurt, também manifestou apoio à decisão do júri, denominando Butler "uma das pensadoras-chaves de nosso tempo". Quanto à crítica à premiação, ela seria "compreensível, mas injustificada", observou o político conservador alemão.
A autora estadunidense não é a única voz crítica a Israel a enfrentar oposição ferrenha. Em março de 2012, o autor alemão Günter Grass, Prêmio Nobel de Literatura, também desencadeou polêmica com seu poema O que deve ser dito, no qual tacha Israel de ameaça à paz mundial. Em meio à celeuma, Grass expressou frustração por toda crítica a Israel ser equiparada a antissemitismo.
A decisão de conceder o Prêmio Adorno à pensadora estadunidense coincide com um momento atipicamente sensível nas relações teuto-israelenses do pós-guerra. Em junho, um tribunal da cidade de Colônia classificou a circuncisão de bebês como "lesão corporal criminosa", provocando protestos das comunidades judaica e muçulmana da Alemanha e do resto do mundo. No início de setembro, entretanto, o estado de Berlim considerou a circuncisão legal por motivos religiosos.
Opositor de nacionalismos e racismos
Nascido na cidade de Frankfurt em 1903, Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno tinha uma relação complexa com sua própria identidade judaica. Integrante central da Escola de Frankfurt de Teoria Crítica, mantendo laços estreitos com pensadores como Max Horkheimer, Ernst Bloch e Walter Benjamin, Adorno foi um dos principais filósofos da estética, música e cultura de massa de sua geração.
Crítico determinado do fascismo, Adorno exilou-se da Alemanha em 1934. Em Cultura crítica e sociedade, de 1951, ele cunhou a famosa frase "Escrever poesia depois de Auschwitz é barbárie", mas que depois rejeitaria. Durante toda sua vida, permaneceu extremamente cético no tocante a todas as formas de nacionalismo.
Retornando à Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, atuou como professor na Universidade de Frankfurt de 1949 até sua morte, em 1969. Em sua honra e no dia de seu aniversário, 11 de setembro, desde 1977 a cidade natal concede a cada três anos o prêmio que leva seu nome, dotado com 50 mil euros. Entre os laureados estiveram Jürgen Habermas (1980), Jean-Luc Godard (1995), Jacques Derrida (2001) e Alexander Kluge (2009).
Judith Butler recebe o Prêmio Theodor W. Adorno neste 11 de setembro, na Igreja de São Paulo de Frankfurt.
Autor: Helen Whittle (av)
Revisão: Carlos Albuquerque