Meros fatos justapostos
26 de setembro de 2008"Sem dúvida, é louvável a missão que [o autor] Stefan Aust, [o produtor e roteirista] Bernd Eichinger e [o diretor] Uli Edel se autopropuseram: apresentar os fatos históricos da maneira mais correta possível." Assim começa o jornal Süddeutsche Zeitung sua crítica sobre o filme O complexo Baader-Meinhof, que entrou em cartaz nesta quinta-feira (25/09) nos cinemas da Alemanha.
"Normal não é", prossegue o mesmo jornal. "A televisão alemã, por exemplo, vê a História como um caro pano de fundo, em frente ao qual são encenados triângulos melodramáticos. Mas a isso soma-se uma ambição ainda maior, quase suicida, de não se contentar em selecionar alguns aspectos da história da Fração do Exército Vermelho [RAF]. Eles pegaram dez anos, de 1967 a 1977, e quiseram contar a história toda. (...) Com isso, foram tomadas as principais decisões antes mesmo que a primeira linha do roteiro fosse escrita e um centímetro do filme, gravado."
Para poder contar dez anos em duas horas e meia, foi preciso estabelecer um determinado estilo narrativo, analisa o jornal: "A violência e suas justificativas, o crime e a carta de confissão aparecem sobrepostos, ação pura com voice-over teórico, por assim dizer. [...] E claro que o público percebe como é manipulado".
"Parque temático da RAF"
Em um artigo intitulado Uma volta pelo parque temático da RAF, o jornal Neues Deutschland resumiu de forma precisa um questionamento presente na maioria das críticas ao filme.
"Eichinger provou mais uma vez que suas produções são sinônimos de grandes eventos cinematográficos, capazes de transformar o conteúdo histórico mais instigante em entretenimento – bem trabalhado, com bom elenco. Mas com que pretensão intelectual? Uma cronologia dos acontecimentos de 1967 a 1977 que não levanta questões nem as responde."
E critica: "Não há pausa para respirar ao se fazer história. Será assim que ela é feita? Só sobra tempo para estímulos estridentes. As pessoas – tanto vilões quanto vítimas – são meras máscaras, atrás das quais Eichinger e Edel não querem olhar". Para o jornal, o filme não oferece oportunidade de conhecer as personagens, pelo contrário: é preciso trazer esse conhecimento prévio para poder entender a trama.
Além disso, "o filme se esforça em evitar tudo o que poderia tornar simpáticos os membros da RAF. Infelizmente, esse desinteresse pela psicologia dos agentes tem conseqüências para o resto das personagens. A indiferença afeta todas elas".
Pornô político?
Também o Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) se pergunta qual a posição dos realizadores. "Moralmente, o diretor não deixa nenhuma questão aberta. Mas em nenhum instante é possível reconhecer na trama quais são seus interesses. [...] Por mais que tenha ficado claro que não queriam deixar a última palavra para os terroristas, e sim trazer à tela o rastro sangrento de seus crimes, respeito pelas vítimas e dignidade têm outra cara", conclui, referindo-se à explicidade da maioria das cenas.
Segundo o FAZ, o filme até funciona como uma espécie de "trem fantasma por uma era". "Os terroristas são sexy o bastante para deixar claro que também naquela época não se tratava apenas de ideologia. O filme trata um bando de assassinos como um bando de assassinos – sem ocultar que houve dois ou três motivos que os levaram para o mau caminho."
"Mas isso não altera o fato de que o filme é um pornô político, composto apenas de clímax. Ele está para um filme complexo assim como um filme pornográfico está para um filme de amor. Enquanto este percebe a complexidade das coisas, ele conhece apenas escaladas."
"Campo minado da história alemã"
O suíço Neue Zürcher Zeitung coloca em jogo a incapacidade do filme de ressaltar a atualidade do tema. "A RAF é, ao lado do nazismo e da RDA, um campo minado da história alemã. Mas, por mais tático que seja em seu formato, sob o aspecto político o filme é supreendentemente fútil, sem criar um ponto de vista próprio, de modo que o público se pergunta qual a relevância do assunto hoje em dia. Ele evita tocar em problemáticas atuais como o fanatismo incondicional de terroristas e a desmedida reação do Estado."
Assim, não fornece uma análise do terrorismo na Alemanha, mas apenas uma justaposição de acontecimentos. "O filme trata apenas por fora do fato de a jovem Alemanha Ocidental não ter sabido lidar com aqueles anos de terror, quando o Estado se deixou levar ao limite da democracia", critica.
Para o Berliner Zeitung, "o terrorismo alemão de esquerda se converte no filme em uma coleção de detalhes: os seios de Gudrun Ensslin, a jaqueta de couro de Andreas Baader, os óculos de Ulrike Meinhof, um banho nu na ilha de Sylt e imagens televisivas das grandes manifestações de 1967–1968 – tudo tem a ver com tudo. Mas nada constitui um motivo e assim a história avança como o destino de uma sociedade capaz de pensar apenas em ações de curto prazo". (rr)