Islâmicos na Alemanha: um apanhado histórico
2 de outubro de 2004Os muçulmanos, reconhecíveis pelos trajes, pelo véu usado pelas mulheres, são um fator determinante da paisagem urbana na Alemanha. Sua concentração é maior em Berlim e nas grandes cidades do oeste do país e, dentro destas, em determinados bairros. Mas os vestígios são visíveis por toda parte, nas ruas de comércio, nas escolas, aqui ou lá em torres de mesquitas.
Três milhões de muçulmanos vivem no país, a grande maioria de origem turca. As entidades que os representam costumam tomar posição quanto a temas sociais relevantes que lhe dizem respeito – xenofobia, a formação de guetos, o uso de véus nas escolas – e seus pronunciamentos são registrados pelos meios de comunicação alemães.
Contribuição para o bem-estar
Os muçulmanos multiplicaram-se na Alemanha a partir dos anos 60 do século passado, quando chegaram ao país, entre os chamados "trabalhadores convidados" que vieram ajudar a construir o milagre econômico do pós-guerra. Eram imigrantes vindos da Turquia, da antiga Iugoslávia e do Marrocos.
Em princípio, eles não vieram para ficar, foram se instalando inicialmente em caráter provisório, o que se refletiu também na vida religiosa. "Em muitos lugares, os trabalhadores estrangeiros muçulmanos criaram associações, para as quais alugavam garagens, fábricas desativadas ou algo parecido. Lá eles se reuniam para orar juntos ou simplesmente para o convívio social", esclarece Peter Heine, professor de Ciência Islâmica da Universidade Humboldt de Berlim.
Vozes múltiplas
Somente duas décadas mais tarde eles passaram a se organizar de forma mais estruturada. Foi no início dos anos 80 que surgiram entidades de representação dos islâmicos que até hoje concorrem entre si e nas quais está organizada, na verdade, apenas uma fração dos muçulmanos da Alemanha.
Na mesma época, o Ministério alemão das Relações Exteriores realizou convênios com o departamento de religião do governo da Turquia, para a criação de comunidades religiosas ligadas ao islã oficial daquele país. Surgiu assim a Ditib, união turco-islâmica controlada pelo governo da Turquia e de caráter conservador.
Duas outras confederações passaram a agrupar as demais entidades – turcas ou não: o Conselho Central dos Muçulmanos na Alemanha e o Conselho Islâmico da República Federal da Alemanha, este dominado por uma organização considerada politicamente extremista pelo serviço secreto alemão.
Os muçulmanos, portanto, não têm uma estrutura unificada como a das demais igrejas na Alemanha e participam, assim, do discurso público no país com diferentes vozes.
Os otomanos
Em cemitérios de Hanôver e Berlim, encontram-se sepulturas datadas entre 1689 e 1691, cujas lápides ainda legíveis apontam para o mundo islâmico. Em fins do século 17, quando os otomanos cercaram Viena, os príncipes alemães acorreram em socorro da Áustria, que resistiu à invasão sob o comando do príncipe Eugenio Di Savoia. Muitos voltaram para casa acompanhados de prisioneiros muçulmanos.
Mas foi só a parir de inícios do século 20 que surgiu uma vida islâmica organizada no país. A primeira mesquita foi construída em 1915 num campo de prisioneiros nas proximidades de Berlim. Durante a Primeira Guerra Mundial, em que o Império Otomano era aliado da Alemanha. A mesquita, destinada aos prisioneiros que os militares faziam entre os muçulmanos de países inimigos, era uma tentativa de conquistá-los para a causa dos otomanos, que reivindicavam a representação dos islâmicos do mundo inteiro.
Nas décadas de 20 e 30, desenvolveu-se na capital alemã pela primeira vez uma modesta comunidade islâmica. Concentraram-se em Berlim inúmeros exilados – de países árabes, da Índia, do Irã, ao todo de 40 nações –, criando grupos que defendiam seus interesses políticos, mas também se organizavam religiosamente. Foi também nessa época que houve as primeiras conversões de alemães para o islã.
Incoerência no nazismo
Durante o regime nazista, o desenvolvimento da vida islâmica na Alemanha caracterizou-se por tendências divergentes. Os muçulmanos alemães eram perseguidos; os de origem oriental, como tantos outros grupos, por serem considerados, por princípio, seres "sub-humanos". Por outro lado, não faltaram tendências do regime de instrumentalizar os muçulmanos e suas organizações para seus próprios interesses. O Instituto Central Islâmico em Berlim, por exemplo, tornou-se mero instrumento de propaganda nazista.
Além disso, o governo de Hitler concedeu ao então mufti de Jerusalém, Armin Al-Husseini, exílio político na capital. Al-Husseini tinha ódio fanático pelos judeus e, mesmo de Berlim, continuou tentando com todas as forças impedir o salvamento de judeus do Leste Europeu. Mas ele era idolatrado pelos muçulmanos provenientes das colônias britânicas ou francesas.
Ninguém sabe ao certo quantos muçulmanos viviam naquela época na Alemanha. Os cálculos variam de mil a três mil, sendo que entre eles havia centenas de alemães.