Mortes em Manaus voltam a pôr em questão segurança em obras da Copa
17 de dezembro de 2013A morte de dois operários no último fim de semana na Arena Amazônia, em Manaus, reforçou o debate sobre a segurança nas obras para a Copa de 2014. Entre os principais temores, o de que os prazos apertados e a grande pressão externa pela conclusão dos estádios possam levar a um menor cuidado com a proteção ao trabalhador. Além disso, dizem especialistas, o modelo de terceirização adotado pelas construtoras dificulta a responsabilização dos culpados.
Uma das vítimas, de 22 anos, morreu ao despencar de uma altura de 35 metros enquanto fazia a instalação da cobertura da arena em Manaus. A outra, de 49, sofreu um infarto durante o trabalho. Atendendo a uma solicitação do Ministério Público do Trabalho (MPT), as obras em altura foram paralisadas no estádio, mas o restante dos trabalhos continua.
Para Carlos Alberto Soufen, professor do curso de Engenharia de Segurança do Trabalho na Universidade Estadual de São Paulo, estresse e cansaço são fatores determinantes quando se fala em segurança do trabalhador.
“A engenharia conhece as informações suficientemente para saber o que traz de prejuízo se a pessoa extrapolar todas essas coisas [como jornadas de trabalho]. Isso aumenta a probabilidade do acidente”, diz Soufen.
Nova tragédia
Em novembro, dois trabalhadores morreram após queda de guindaste na arena do Corinthians, em São Paulo, estádio da abertura da Copa. Em março, um operário morreu ao cair de uma altura de cinco metros também na Arena da Amazônia. E, em junho de 2012, um trabalhador não resistiu à queda de 30 metros no Estádio Nacional de Brasília.
A ONG Repórter Brasil acompanha e torna públicas situações que ferem direitos trabalhistas. O coordenador-geral da organização, Leonardo Sakamoto, também alerta para os riscos do ritmo acelerado das obras.
“Na medida em que chega o prazo para entrega de determinada obra, aumenta o estresse ao qual são submetidos os trabalhadores em todo o país. Você imputa uma necessidade, você obriga o pessoal a trabalhar de uma forma concentrada para entregar essa demanda”, avalia.
Em nota, a construtora Andrade Gutierrez lamentou o ocorrido em Manaus e disse manter o “compromisso assumido com a segurança de todos os funcionários”. A empresa afirma, ainda, que uma investigação interna está sendo feita para apurar as causas do acidente e que está prestando assistência à família do operário morto.
A firma de arquitetura alemã GMP, responsável pelo projeto, lamentou as mortes em Manaus, mas disse acreditar que o ocorrido não vai atrapalhar a entrega do estádio dentro do prazo.
A vistoria já agendada na obra foi ampliada depois das mortes e segue até esta sexta-feira (20/12). Participam da fiscalização representantes da Justiça do Trabalho, peritos do Ministério Público do Trabalho e da construtora Andrade Gutierrez, responsável pelas obras.
Responsabilidade e terceirização
Carlos Alberto Soufen explica que a legislação brasileira é clara ao determinar que a responsabilidade em casos de acidente é da empresa responsável pela obra, mesmo quando ela contrata funcionários por meio de empresas terceirizadas para realizar certos serviços, como foi o caso do operário morto no acidente em Manaus.
“A norma deixa claro que, mesmo numa provável terceirização, a empresa-mãe [responsável geral pela obra] tem culpa no cartório. Ela não pode deixar de fazer a fiscalização dela só porque ela terceirizou”, explicou o professor, ao lembrar que todas as empresas responsáveis pelo projeto precisam ter engenheiros e técnicos de segurança para realizar a fiscalização interna.
Apensar de a lei prever essa responsabilização, Leonardo Sakamoto alerta que, na prática, isso não funciona, uma vez que quem acaba sendo apontada com responsável é a empresa terceirizada.
“A terceirização surge não para acelerar o processo, mas sim para [a empresa] se ver livre de demandas econômicas relacionadas a essa mão de obra”, diz o coordenador da Repórter Brasil. “O Brasil precisa começar a enxergar essas coisas de maneira mais séria, não só o poder público, mas o setor empresarial precisa encarar isso de maneira mais séria.”