"Muito do escândalo de espionagem é só teatro"
25 de junho de 2015O clima entre Paris e Washington ficou tenso no fim de junho, após o WikiLeaks revelar que a americana Agência de Segurança Nacional (NSA) espionou os três últimos presidentes da França – Jacques Chirac, Nicolas Sarkozy e o atual, François Hollande.
Paris reagiu dizendo que a espionagem era "inaceitável". O presidente dos EUA, Barack Obama, por sua vez, garantiu a Hollande que o serviço de inteligência americano não intercepta as comunicações dele.
Para o ex-correspondente internacional Reginald Dale, os franceses provavelmente sabiam que os americanos os espionavam já muito antes das revelações do WikiLeaks. No entanto, eles gostam de cultivar uma imagem de nação independente e "se sentem na obrigação de mostrar algum tipo de ultraje", afirma em entrevista à DW.
Dale foi correspondente do Financial Times e do International Herald Tribune em Bruxelas, Londres, Paris e Washington. Atualmente, é diretor da CSIS Transatlantic Media Network.
Fazendo um paralelo com a revelação de que o celular da chanceler federal alemã, Angela Merkel, havia supostamente sido grampeado, o jornalista considera a reação dos alemães à espionagem "neurótica e aflita", enquanto a dos franceses seria "cínica e hipócrita".
DW: Paris convocou o embaixador dos EUA, sob a alegação de que Washington grampeou conversas dos três últimos presidentes da França. Em 2013, a revista alemã Der Spiegel afirmou que o celular da chanceler federal Angela Merkel havia sido grampeado. Quão diferentes foram as reações da França e da Alemanha?
Reginald Dale: Para distinguir a reação alemã da francesa a esse tipo de coisa, eu diria que a reação francesa é basicamente cínica e hipócrita, enquanto os alemães tendem a ser neuróticos e aflitos. É uma reação cultural totalmente diferente a essas alegações ou revelações.
O que o faz classificar a reação francesa de cínica e hipócrita?
A resposta francesa é cínica no sentido de eles saberem que o próprio país pratica espionagem, de fato querem que seja assim. Eles acham que o país deveria espionar. Eles compreendem que, no mundo em que vivemos, os americanos os espionem. O mundo é assim, e eles não acham isso particularmente repreensível.
Do lado hipócrita, os franceses são bastante conhecidos como os campeões da espionagem industrial na Europa, especialmente contra os Estados Unidos. Há muitas instâncias francesas obtendo informações e segredos sobretudo das indústrias de defesa e aeroespacial.
Nos anos 1990, os franceses teriam grampeado os encostos dos assentos da classe executiva da Air France, na esperança de captar uma conversa confidencial entre empresários americanos. É claro que isso foi desmentido, mas a história ficou famosa, virou piada.
Por que diz que a resposta alemã é neurótica?
Do lado alemão, há uma neurose profunda por razões históricas, devido aos traumas resultantes das atividades da Gestapo e, depois, da Stasi na antiga Alemanha Oriental. Acredita-se que isso tenha criado uma espécie de medo neurótico de qualquer tipo de espionagem, especialmente contra indivíduos. Por essa razão houve uma reação tamanha quando um dos celulares de Merkel aparentemente foi grampeado.
Acho que os alemães, diferentemente dos franceses, sentem-se como que traídos nessa situação. Eles passaram todos esses anos depois da Segunda Guerra Mundial se reabilitando para se tornarem um país-modelo no cenário internacional e queriam a aprovação de todos – e particularmente a amizade dos Estados Unidos.
Eles acreditavam que haviam conquistado essa aprovação e amizade e, então, quando descobrem que estão sendo espionados, a sensação é de uma punhalada nas costas.
O que as reações alemã e francesa à vigilância dos EUA a seus líderes dizem sobre a relação dos dois países com Washington?
Os franceses são obviamente uma nação orgulhosa. Eles se sentem na obrigação de mostrar algum tipo de ultraje. Mas também são realistas sobre esse tipo de coisa. Eles têm um longo histórico de espionagem e sempre tiverem serviços de inteligência excelentes. Não acho que esse tipo de coisa os surpreenda muito. É a vida – c'est la vie.
Os franceses nunca se importaram de ofender os americanos. Eles o têm feito desde a Segunda Guerra, e isso é parte do jogo. A cultura francesa é mais orientada à aparência do que à verdadeira substância, pode-se dizer, enquanto a cultura alemã é mais substancial e menos ostentatória.
É verdade que os alemães ficariam mais preocupados do que os franceses com uma briga pública com os EUA por essa ou qualquer outra causa. Especialmente por os alemães terem atribuído tanta importância ao restabelecimento das relações com Washington, durante tantos anos.
Os franceses gostam de cultivar a imagem de uma nação independente e não querem depender de Washington nem de mais ninguém.
Qual deverá ser o efeito disso sobre a opinião pública na França?
Os franceses são muito cínicos sobre a vida em geral, eles não ficariam particularmente surpresos. Não acredito que haveria muito alarde, a não ser dos que acham que essa seria uma boa oportunidade para fazer alvoroço em torno dos americanos. No fundo, não acho que ninguém vai se sentir particularmente ultrajado. Eles provavelmente acreditavam que isso estava acontecendo de qualquer maneira, antes de essas revelações virem à tona.
Obama supostamente prometeu acabar com a vigilância dos EUA contra líderes franceses. Essa promessa deve ser levada a sério?
O discurso foi o mesmo usado depois das alegações envolvendo o celular de Merkel. Obviamente Hollande tem que exigir algum tipo de desculpa em público, e Obama sente que os EUA confiam na França e que eles são grandes e aliados próximos e vão continuar sendo no futuro. Muito disso é puro teatro.