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Che 42 anos depois

9 de outubro de 2009

Em 9 de outubro de 1967 Che Guevara foi fuzilado. Historiador alemão Gerd Koenen o situa em seu tempo e no século 21: Fidel, os Estados Unidos, a relação entre seu renascimento como mito e o fim do "socialismo real".

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Monumento a Che GuevaraFoto: Anne Herrberg

Deutsche Welle: Che Guevara (1928-1967) era uma pessoa democrática? Como lidava com gente que defendia outros pontos de vista?

Gerd Koenen: Em muito do que diz respeito a Che, é preciso separar o pessoal do político. Como pessoa privada, sabia ser perfeitamente democrático e, a qualquer hora, pronto a se confrontar com pontos de vista divergentes. Como comandante militar, ao contrário, era marcadamente intolerante – fato talvez bastante justificável numa guerrilha. O problema é que ele concebia o exercício do poder e a construção do socialismo em Cuba segundo os moldes de uma campanha militar. Mas também em outros aspectos ele era, no sentido político, tudo, menos um democrata.

Os revolucionários representavam "o povo" por terem lutado "pelo povo". E o povo expressava sua aprovação em forma de aplauso espontâneo ou organizado, durante os discursos dos líderes revolucionários, e de participação diária na construção do socialismo. Para Che, o modelo ideal de uma democracia revolucionária era, como descreveu em O socialismo e o homem em Cuba, o "diálogo com as massas" de Fidel Castro – mesmo se só um lado tinha a palavra.

Como se poderia definir os pontos de vista ideológicos de Che?

Che Guevara 80. Geburtstag
Che em entrevista à CBS-TV, 13/12/1964Foto: AP

Guevara continuou sempre desenvolvendo seus posicionamentos. Neste aspecto, ele tinha as características de um idealista. Tinha ambições como teórico e estava desenvolvendo um "marxismo-guevarismo" com traços cada vez mais heréticos, em relação ao marxismo-leninismo do tipo soviético ou mesmo chinês.

Entretanto, sua concepção do socialismo possuía traços extremamente puritanos e rígidos, e se aproximava assustadoramente das ideias de um Kim Il-Sung, por exemplo. Isto, por outro lado, se deve ao fato de Che ter uma imagem notoriamente distorcida, para não dizer primitiva, dos Estados Unidos como Estado e sociedade. Em seu ódio aos "ianques", ainda jovem ele já apresentava as características de um romântico latino-fundamentalista. Talvez tenha sido esta sua influência ideológica primeira, associada a um certo "desprezo pela civilização", que ele próprio atribuía a si.

Em que pontos Che e Fidel diferiam?

Eles eram até bem diferentes, mas se admiravam mutuamente de forma incondicional. Castro era (e é) um homem do poder, absolutamente experiente, também do ponto de vista tático, o senhor vitalício de sua ilha. Guevara não era, em si, um homem do poder. É verdade que teve um papel importante, iniciador, na formação do novo exército [cubano], do serviço secreto, da Justiça revolucionária. Mas como presidente do Banco Central e ministro [da Indústria] foi uma escolha totalmente equivocada. E por isso quis ir embora.

Ele continuou sendo um globe-trotter revolucionário; um cavaleiro andante como Dom Quixote, como ele próprio se descrevia, com autoironia; e um ardente romântico com seu projeto ultrapessoal de uma revolução mundial tricontinental, que ele mesmo queria desencadear, primeiro no Congo, depois na Bolívia.

Por que a Revolução Cubana tomou um curso tão radicalmente antiamericano, quando os EUA foram o primeiro país a reconhecer o governo Castro em nível internacional?

O cerne do conflito foi o fato de a revolução ter começado sob um signo inteiramente diverso. A meta principal era o restabelecimento da Constituição suspensa por [Fulgencio] Batista em 1952. Após a tomada de poder, não se falou mais nisso. Os irmãos Castro, apoiados por Guevara, ergueram sua própria ditadura plebiscitária no espaço de poucos meses.

Para tal, Fidel Castro não apenas voltou as costas a seus aliados democráticos, como também a grande parte de seu "Movimento de 26 de Julho", apoiando-se notadamente, por falta de forças políticas experientes, no pequeno, mas bem organizado, Partido Popular Socialista, nos comunistas. Ao mesmo tempo, os soviéticos os instaram a equipar seu novo exército com armas modernas, de maneira conspirativa e maciça.

Tudo isso ocorreu ainda em 1959 ou início de 1960, e naturalmente não escapou aos EUA. E tocou no medo primordial histérico dos norte-americanos de que pudesse ser criada uma base da potência inimiga, a União Soviética, diante de sua costa, uma espécie de porta-aviões flutuante. E foi realmente o que aconteceu. Com a ressalva de que as ações do novo governo estadunidense, sobretudo sob Robert e John F. Kennedy, impulsionaram, por sua vez, esse rápido processo de antagonismo.

Entre essas medidas estiveram: a tentativa de derrubar Castro através de uma aliança formada por seus antigos aliados liberal-burgueses; mais tarde também com um grupo armado de invasão financiado pela CIA e também com complôs obscuros para assassinar o líder cubano. Mas desde o início era Castro quem agia soberano e determinado, enquanto os EUA antes reagiam desajeitadamente.

Che Guevara foi executado a mando dos norte-americanos?

Che Guevara
Morte do herói latino-americanoFoto: AP

Seguramente não. Fica em aberto se os EUA queriam mesmo, de todo modo, capturá-lo vivo e levá-lo a um tribunal pan-latino-americano no Panamá, como consta de alguns documentos e testemunhos. Washington não interveio nem contra nem a favor de Che quando ele estava preso. Talvez estivesse de acordo com a execução.

De todo modo, quem ordenou e levou a cabo a execução foi o alto-comando boliviano, justamente porque o regime do general [René] Barrientos estava debilitado. E durante o processo contra Régis Debray, em face da interferência internacional, envolvendo até o Papa, já havia decidido executar [Che Guevara], caso o apanhasse.

Além disso, foi o relativamente fraco Exército boliviano a vencer e capturar a guerrilha de Che. O punhado de treinadores norte-americanos e agentes da CIA presentes, entre os quais dois ou três cubanos exilados, não representou papel vital nesse desenlace – muito embora o shadow warrior Felix Rodríguez, em Miami, gostasse de colocar essa medalha no peito.

Por que Che Guevara é adorado hoje por grande parte da população na América Latina?

Ele entrou para o Olimpo latino-americano, em algum lugar ao lado de Bolívar, San Martín, Martí e muitos outros. Sendo que, naturalmente, ele se presta a isso de uma maneira totalmente diferente, com toda a sua beleza e juventude efêmera; também, para os jovens de hoje, como superfície de projeção para uma rebelião indefinida. Por fim, não se pode negar que ele tenha, de fato, o potencial de um épico moderno, em suas três pasajes – em Cuba, no Congo e na Bolívia – que ele ainda por cima eternizou literariamente, do próprio punho.

Wandmalerei von Che Guevara in Havana, Kuba
Mural em CubaFoto: AP

De resto só se pode constatar, como mero observador, que sua estrela voltou a subir no firmamento na exata proporção em que o "real socialismo" do Leste desceu e mudou de cor. Desse modo, Che é uma última estrela de esperança para um vago anticapitalismo ou, alternativamente um novo "socialismo do século 21".

Não há nada a objetar a isso, além de que os escritos e concepções de Che para os problemas das sociedades da América Latina me parecem pouco férteis. Do mesmo modo que as atuais realidades do continente me parecem muito distantes do fantasma de uma revolução continental ou tricontinental. Aliás, parece uma invenção de mau gosto, mas é um fato: o codinome interno do serviço secreto cubano para a operação de Che na Bolívia era "Operación Fantasma"

Gerd Koenen, nascido em Marburg em 1944, é publicista e historiador free lancer. Suas áreas de especialização são as relações teuto-russas no século 20 e a história do comunismo. Entre suas principais publicações estão Utopie der Säuberung (Utopia da purgação, 1998) e Das Rote Jahrzehnt (A década vermelha, 2001).

Entrevista: Pablo Kummetz
Revisão: Alexandre Schossler