As faces do Hisbolá
14 de setembro de 2007O grupo libanês Hisbolá divide opiniões. Para Israel e os Estados Unidos, o Hisbolá (em árabe, "partido de Deus") faz parte do "primeiro time" do terrorismo e chega a valer como organização extremista a serviço do Irã. Nos países ocidentais, é tido como milícia radical islâmica.
Mas, dentro do Líbano, a milícia tem outra imagem – especialmente no sul da capital Beirute. Desde a fundação, nos anos 1980, ela passou a influenciar crescentemente a vida da população xiita na região. O Hisbolá domina a vida pública, e se popularizou até mesmo entre os cidadãos que dão importância secundária à religião.
Sua "boa fama" se deve principalmente à luta vitoriosa contra os israelenses, após os anos de ocupação no sul do Líbano. Mas é principalmente o engajamento social nos centros xiitas do país que dá reconhecimento ao grupo.
Estado dentro do Estado
Com o apoio da Síria e do Irã, há anos o Hisbolá desenvolveu uma infra-estrutura própria nas regiões xiitas do Líbano. É um Estado dentro do Estado, no qual o grupo financia escolas, hospitais e orfanatos. Chega até a controlar órgãos de trânsito.
"Estas regiões nunca foram apoiadas pelo governo central. Segundo as estatísticas, a planície de Bekaa e o sul do país são os territórios menos desenvolvidos do Líbano", disse Judith Harik, uma líbano-americana especialista no Hisbolá, em entrevista à DW-WORLD.DE. Para Harik, o fortalecimento da milícia no país se deve à falta de comprometimento do governo libanês com a população.
"Do ponto de vista religioso, seria possível dizer que o Alcorão os obriga a ajudar os menos favorecidos. Mas, olhando cinicamente, é uma ótima oportunidade para conquistar mais seguidores, já que não há mais ninguém para dar auxílio à região", disse.
Sistema político sectário
No Líbano, a ligação entre religião e política é antiga. A Constituição divide o poder entre os 18 grupos religiosos – em sua maioria, muçulmanos xiitas e sunitas; mas também há drusos e diversos grupos cristãos.
A ameaça de conflitos se impõe sempre que falha o equilíbrio de poder. O pior exemplo até hoje foi a guerra civil libanesa, entre 1975 e 1990. Os xiitas, maior grupo religioso do país, representam cerca de 40% da população. Desde o fim do conflito, o Hisbolá assumiu a representação política da confissão.
O "Partido de Deus" defende uma política contrária à do governo libanês, que é apoiado pelo Ocidente e pela Arábia Saudita. Em julho de 2006, um incidente na fronteira levou à guerra de 34 dias entre a milícia xiita libanesa e Israel.
Auxílio para reconstrução do Líbano
Ainda há muitos vestígios da guerra no sul de Beirute. Os habitantes sofreram com o conflito, mas também foram ajudados pelo Hisbolá. O grupo deu mil dólares de auxílio financeiro imediato às famílias que perderam suas casas em bombardeios israelenses. Com a assistência, vem a gratidão – e a dependência. Aqui, não faltam elogios ao Hisbolá liderado por Hassan Nasrallah.
Os não-xiitas também admiram o espírito de luta e a força militar do Hisbolá. Atributos que, por outro lado, também infligem temores.
Parte da influente comunidade cristã mantém relações com o Hisbolá. Entretanto, outros grupos cristãos e conjuntos sunitas e drusos acusam esses cristãos de sempre mergulharem o Líbano em novas guerras com Israel. Além disso, criticam o Hisbolá de querer colocar o país sob a influência do Irã e da Síria, com o propósito de, no longo prazo, querer dominar o país com um regime xiita.
"Em nenhum momento, criar uma república islâmica fez parte do plano político do Hisbolá", rebate Nawaf Al Musawi, responsável pelas relações exteriores do grupo. "Desde a fundação do partido, trabalhamos por um consenso nacional, curso que seguimos até hoje".
Hisbolá: um fator de poder
Seja como for, o Hisbolá é fortemente armado. Trata-se da única milícia que não abandonou as armas após o fim da guerra civil, em 1990. Atualmente, continua importando armas ilegalmente. A milícia não faz questão de divulgar a existência do arsenal, mas a sabida existência das armas causa desconfiança entre a população.
Em entrevista à DW-WORLD.DE, o Sheikh Mohammed Hussein Fadlallah, maior líder religioso xiita do Líbano, tenta apaziguar: "Há tempos o Hisbolá deixou claro que as armas do grupo não estão voltadas contra outras confissões do país, ou que são destinadas ao uso interno. Estas armas existem para a defesa de agressões por parte de Israel", disse.
Fadlallah é tido como líder espiritual do Hisbolá, mas não radicaliza o discurso contra os chamados "infiéis". Na entrevista, ele defendeu o diálogo entre sunitas e cristãos e condenou todos os ataques de grupos terroristas islâmicos nos Estados Unidos e na Europa. Contudo, Fadlallah chamou a atenção ao não criticar a violência contra Israel. Nesse contexto, o Hisbolá não fala de Jihad ou "guerra santa", preferindo usar o termo "resistência nacional".