O novo capítulo na disputa entre a Justiça e o Whatsapp
2 de maio de 2016A decisão da Justiça de Sergipe de bloquear o acesso ao Whatsapp em todo o país por 72 horas, a partir desta segunda-feira (02/05), gerou revolta nas redes sociais e complicou a comunicação de cerca de 100 milhões de brasileiros que usam o aplicativo de mensagens.
As cinco operadoras de telefonia que atuam no anunciaram que cumpririam a ordem judicial, a fim de evitar uma multa diária de 500 mil reais. Em comunicado, o Whatsapp lamentou a decisão, dizendo que já "cooperou com toda a sua capacidade com os tribunais brasleiros".
Entenda a polêmica em torno do bloqueio:
Por que o Whatsapp foi bloqueado?
A decisão foi tomada no dia 26 de abril pelo juiz Marcel Montalvão, da Vara Criminal de Lagarto, em Sergipe, atendendo a um pedido de medida cautelar da Polícia Federal, endossado pelo Ministério Público.
O bloqueio foi solicitado como uma forma de punição ao Facebook, dono do Whatsapp, que se recusou a divulgar dados sigilosos de conversas pelo aplicativo, descumprindo ordens da Justiça brasileira.
Essas informações seriam usadas para a produção de provas em investigações criminais que tramitam em segredo de Justiça em Lagarto, ligadas ao crime organizado e ao tráfico de drogas.
A recusa em liberar esses dados já havia levado à prisão do vice-presidente do Facebook na América Latina, Diego Dzodan, em 1º de março – também determinada por Montalvão. O executivo, porém, foi liberado no dia seguinte, após decisão do Tribunal de Justiça de Sergipe.
Qual é a justificativa legal?
De acordo com o juiz Montalvão, a medida cautelar tem como base o Marco Civil da Internet, que regula o uso da rede no Brasil.
Segundo a lei, empresas responsáveis por aplicativos devem prestar "informações que permitam a verificação quanto ao cumprimento da legislação brasileira referente à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao tratamento de dados".
Dessa forma, de acordo com o Marco Civil brasileiro, o Facebook deveria ter compartilhado os dados solicitados pelos investigadores. Mas o fato de a empresa estar baseada em outro país gera divergência de opiniões entre especialistas.
O Whatsapp arquiva conversas?
Justificando o descumprimento das ordens judiciais, a empresa alegou que não guarda os arquivos das mensagens entre usuários, que ficam armazenadas somente nos telefones de quem usa o aplicativo.
Para Adriano Mendes, advogado especializado em direito digital, o episódio é um exemplo de que as autoridades brasileiras não entendem como funcionam as empresas de tecnologia.
"Elas ficam pedindo dados que as empresas não possuem ou não são obrigadas a entregar. E ainda erram na forma como pedem", explica o especialista.
Já segundo Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e professor de direito na Uerj, o cumprimento total desse tipo de ordem judicial obrigaria as empresas a refazerem parcialmente seus produtos.
No caso do Whatsapp, a companhia teria que expandir servidores e armazenar milhões de dados extras para garantir o cumprimento dessas ordens.
A privacidade está protegida?
Recentemente, o aplicativo de mensagens passou a incorporar criptografia de ponta a ponta em todas as conversas, mostrando preocupação com a segurança das informações transmitidas por seus usuários. Com a criptografia, apenas as pessoas envolvidas na comunicação podem ter acesso ao conteúdo dela.
A decisão não se deve, porém, ao episódio ocorrido com a Justiça brasileira, mas está inserida num contexto ainda maior: o da batalha entre autoridades americanas e gigantes da tecnologia da informação em torno do sigilo dos usuários.
O ponto alto dessa disputa foi o recente caso envolvendo a Apple e o FBI, que exigia que a empresa de tecnologia desbloqueasse o celular de Syed Rizwan Farook, um dos autores do recente atentado em San Bernardino, na Califórnia.
A Apple se negou a fazê-lo, colocando em primeiro lugar a privacidade do usuário, e foi elogiada por outras companhias do setor, como Google, Twitter e o próprio Facebook.
Empresas costumam colaborar com as autoridades?
No Brasil, policiais e promotores brasileiros afirmam que gigantes como Google e Microsoft colaboram regularmente com as autoridades, enquanto o Facebook e o Whatsapp são mais arredios. No caso da prisão do executivo, policiais afirmaram que procuraram a empresa três vezes antes do pedido de prisão, e que em todas as ocasiões foi ignorada.
Para o professor Carlos Affonso, as empresas de tecnologia – que muitas vezes não tem nenhuma base no Brasil – ainda estão tentando encontrar uma forma de convívio com as autoridades locais.
"É ainda um período de adequação, e até que as coisas sejam resolvidas esse tipo de choque vai ocorrer, como aconteceu em 2007 quando o Youtube foi retirado do ar. Hoje esse tipo de coisa não aconteceria graças ao Marco Civil da Internet", explica.
"No caso do Whatsapp, as autoridades deveriam ter acionado a empresa por via diplomática. Uma boa saída seria melhorar os acordos de cooperação internacional e torná-los mais eficientes As leis de diferentes países precisam se comunicar. Não pode ocorrer uma balcanização da internet", conclui Affonso.
Quantas vezes o Whatsapp já foi bloqueado no Brasil?
Em fevereiro de 2015, um juiz do Piauí ordenou o bloqueio do WhatsApp em todo território nacional, mas a decisão foi logo revogada. Nesse caso, o objetivo era obrigar o aplicativo a colaborar com investigações criminais no Estado envolvendo pedofilia.
Em dezembro do mesmo ano, a Justiça de São Bernardo do Campo (SP) conseguiu suspender o aplicativo por cerca de 12 horas em todo o país.
A decisão foi tomada também como uma punição pelo descumprimento de uma ordem judicial – dessa vez, o Whatsapp se recusou a entregar mensagens enviadas por um membro de uma facção criminosa.
Na época, Mark Zuckerberg, presidente do Facebook, declarou na rede social: "Este é um dia triste para o país. Até hoje o Brasil tem sido um importante aliado na criação de uma internet aberta", afirmou.
"Estou chocado que nossos esforços em proteger os dados pessoais poderiam resultar na punição de todos os usuários brasileiros do WhatsApp pela decisão extrema de um único juíz."