Obra completa de Fritz Lang é exibida em SP, Brasília e Rio
29 de julho de 2014"Cada filme deve ter um ponto de vista definitivo", essa é a primeira frase dita por Fritz Lang em O desprezo. No filme dirigido por Jean-Luc Godard em 1968, o cineasta francês escalou Lang para representar a si mesmo, como um diretor que está em Roma para filmar sua versão da Odisseia.
A opção de Godard por Fritz Lang como o grande regente de seu filme dentro do filme não é só uma homenagem, mas também uma reflexão sobre o papel de Lang na história da sétima arte.
Ao lado de outros 41 filmes dirigidos por Lang, O desprezo faz parte de O Horror está no Horizonte, retrospectiva completa desse que é um do maiores e mais prolíficos gênios do cinema, que está em cartaz em Brasília e São Paulo e em breve chega também ao Rio de Janeiro.
"Acho sempre importante, continuamente, exibir filmes para formar público sobre a história do cinema, nos seus diversos períodos e nacionalidades, mas também nos relatos pessoais dos cineastas que têm um olhar próprio sobre o cinema e o mundo", diz João Gabriel Paixão em entrevista à DW Brasil. Ele é um dos responsáveis pela curadoria da mostra, ao lado de Joice Scavone e Calac Nogueira.
Genial em vários estilos
Mesmo quem não conhece o nome de Lang foi, muito provavelmente, exposto a alguma imagem de seus icônicos filmes, como Metrópolis (1927), considerado o primeiro filme de ficção científica da história. Mas uma das marcas do cineasta é a diversidade.
Nascido em Viena em 1890, Lang viajou o mundo depois de concluir os estudos e, em 1913, mudou-se para Paris para estudar pintura. Após a Primeira Guerra Mundial, voltou para a Alemanha para trabalhar como roteirista, e logo em seguida começou a dirigir. No auge do expressionismo, tornou-se popular ao combinar técnicas expressionistas com enredos de apelo popular.
"Para ele, o que importa é uma experiência de mundo, com aquelas pessoas transitando na tela, na qual o espectador não tem uma posição confortável de identificação e espelhamento, mas um conflito com aquela humanidade desnudada, decaída, perversa, maldita", explica o curador.
Durante a década de 1920, Lang transitou entre o expressionismos e filmes policiais. Nesse período, foi responsável por grandes clássicos do cinema expressionista, como Os nibelungos (1924) e Metrópolis, e também clássicos do cinema criminal, como a trilogia do Dr. Mabuse e M - O vampiro de Düsseldorf, seu primeiro filme falado e considerado, pelo próprio Lang, seu melhor filme.
Com a ascensão do nazismo na Alemanha, Lang foi convidado pelo ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, para ser o chefe dos estúdios UFA. Ele decidiu se mudar para Paris, onde realizou um filme antes de se mudar definitivamente para o Estados Unidos.
Nos próximos 20 anos, Lang filmou com astros de Hollywood e foi um dos grandes nomes do film noir, gênero policial com uma vertente mais psicológica, sombria e pessimista. Ele também realizou dramas e filmes de faroeste.
"Lang não é um diretor 'de estilo' – como Tarantino, Godard, Bresson, Eisenstein. O estilo de Lang se dá por um olhar distanciado, impessoal, como se não estivesse lá, como se deixasse as coisas rolarem num rumo natural: curiosamente, o tema do destino irreversível e da tragédia é uma constante do cineasta. Por isso, ele sabe operar muito bem a construção dramatúrgica, investindo na composição dos personagens, no desenrolar de enredos", comenta Paixão.
Dicas além do conhecido
A mostra inclui também seus últimos filmes, realizados depois do retorno à Alemanha, com O tigre da Índia (1958) e Os mil olhos do Doutor Mabuse (1960), seu último trabalho como diretor.
O Horror está no Horizonte traz ao público a oportunidade única de ver os filmes realizados por um dos maiores mestres da história do cinema em película. O programa inclui todos os filmes dirigidos por Lang entre 1919 e 1960, exceto Halbblut e Der Herr der Liebe, ambos de 1919, cujas cópias são dadas como perdidas.
O curador deixa algumas dicas para quem conhece o trabalho do cineasta apenas em filmes como Metrópolis e M.
"O meu preferido é Suplício de uma alma, seu último americano, que lida com o tema polêmico da pena de morte, mas de uma forma quase secundária e, ao mesmo tempo, presente ao longo do filme inteiro. É o filme mais impactante desta mudez do cineasta diante da morte e do pensamento humano. Destaco também Maldição, outra pérola em que Lang acompanha um assassino obsessivo que faz de tudo para culpar seu irmão pelo crime", diz.
Em toda a carreira, Lang só atuou em dois filmes: o perdido Der Herr der Liebe e a obra-prima de Godard, realizada em 1963. Esse foi seu último trabalho. Ele morreu em Beverly Hills, em 1976.
As imagens criadas por Fritz Lang em sua extensa carreira vão ficar para sempre no imaginário dos fãs do cinema. Mas sua imagem como grande cineasta por trás das câmeras foi eternizada por Godard. Na última cena de O desprezo, na ilha italiana de Capri, vê-se Lang por trás das câmeras. Uma de suas últimas palavras é ação, antes de Godard terminar seu filme na imensidão do mar azul.
O Horror está no Horizonte está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo (até 24/08), em Brasília (até 27/08) e no Rio de Janeiro (entre 13/08 e 15/09).