Uma ameaça ao pilar central da unificação europeia
10 de fevereiro de 2014Os suíços querem se isolar e abolir a livre circulação de pessoas – que, de forma restrita, o país tinha aprovado para todos os cidadãos da União Europeia (UE). Que façam! Logo, eles verão o que ganham com essa decisão. Pelo menos essa parece ser a perspectiva da UE em Bruxelas.
Mas essa visão é distorcida. Porque não é somente a Suíça que terá de arcar com as consequências – a União Europeia também corre o risco de ver ressurgir o debate em torno da livre escolha do local de trabalho e de residência. O tema poderia até se tornar um dos elementos decisivos nas eleições parlamentares europeias, previstas para o final de maio.
Todas as associações econômicas suíças e todos os partidos, excetuando os populistas do Partido Popular Suíço, eram contra novas regras para a imigração no país. Apesar disso, a maioria do eleitorado seguiu os isolacionistas.
O fator decisivo certamente foi o sentimento de estarem sendo infiltrados por estrangeiros, de estranhamento e de perda da própria cultura. Não podem ter sido motivos racionais, já que a Suíça se beneficiou da imigração de mão de obra qualificada da UE.
Um milhão de cidadãos europeus vivem na Suíça, o equivalente a um oitavo da população. Anualmente, esse número aumenta em 80 mil imigrantes, que pagam impostos na Suíça e mal geram custos para o Estado de bem-estar social, ao qual cabe garantir serviços públicos e proteger a população.
Mesmo assim, as vozes contra a liberdade de movimento cresceram nos últimos anos, impulsionadas pelo Partido Popular, que tem a maior bancada no Parlamento suíço.
Na sede da UE em Bruxelas, o clima geral é de incompreensão com a teimosia suíça. A resposta taciturna é de que a decisão tomada no referendo será respeitada. Porém, vários acordos bilaterais entre o bloco e a Suíça correm riscos. Agora, depende de como o governo suíço vai negociar a livre circulação de pessoas com a UE.
A integração quase completa da Suíça ao mercado interno europeu também corre perigo. Aparentemente, foram os suíços que quiseram assim, apesar de a UE ser o maior parceiro comercial do país e de 480 mil suíços também viverem nos países-membros do bloco.
Para os cidadãos suíços, a livre circulação também deve deixar de valer no futuro. A iniciativa aprovada pelos vizinhos da Alemanha ainda dá alguma margem de manobra para o governo e o Conselho Federal (que chefia o Estado, com sete ministros). Não há cotas concretas de imigração. A Comissão Europeia em Bruxelas espera longas negociações.
Existe o perigo de que a discussão sobre imigração, estrangeiros e livre circulação de pessoas se torne inflamada na UE. O plano dos suíços pode ser comparado às ideias do primeiro-ministro britânico, David Cameron, que quer restringir a imigração de novos Estados-membros da UE e exige que o bloco realize reformas nesse sentido.
O partido conservador bávaro União Social Cristã (CSU, da sigla em alemão) poderia comemorar a decisão suíça, pelo menos secretamente. A legenda luta contra a chamada "imigração pobre" da Romênia e da Bulgária – argumento que marcou especialmente o discurso de partidos conservadores alemães.
Para extremistas de direita na Europa, como o francês partido Frente Nacional (FN), de Marine Le Pen, ou o holandês Partido da Liberdade (PVV), de Geert Wilders, a decisão suíça é uma bem-vinda lenha na fogueira da corrida rumo às eleições do Parlamento Europeu, em maio. Eles vão argumentar que, se a Suíça rica está dando esse exemplo, a decisão não pode estar tão errada assim.
Mexer com a livre escolha do local de trabalho e de residência de todos os cidadãos europeus significa atacar um pilar central da unificação europeia como um todo. Isso não pode acontecer, já que as consequências sociais e econômicas seriam desastrosas. Nações encapsuladas, a exclusão e o isolamento nacional não deveriam ter mais chances na Europa.
A UE deve agir de maneira coerente nas negociações futuras com a Suíça. Se não houver liberdade de movimento para indivíduos, não poderá haver mais liberdade de circulação de mercadorias e capital. O dinheiro dos ricos europeus pode ser administrado por bancos suíços, mas as pessoas precisam ficar do lado de fora? Isso não funciona de maneira alguma.