Orgânicos têm boa mídia, mas pouca clientela
17 de fevereiro de 2006"O setor de orgânicos vive um boom, vai se transformar em global player e num destaque nas bolsas de valores", dizia em 2005 a ex-ministra alemã da Agricultura, Renate Künast, uma espécie de garota-propaganda do setor.
Seu sucessor, Horst Seehofer, está longe de partilhar esse otimismo. Logo após assumir o cargo, anunciou que a agricultura orgânica na Alemanha não terá mais privilégios especiais em relação à convencional ou "biotecnologia verde".
Seehofer não se deixa impressionar pela boa mídia de que dispõem os agricultores verdes, que de 16 a 19 de fevereiro participam da BioFach em Nurembergue. A feira, com dois mil expositores de 70 países e esperados 33 mil visitantes especializados (entre eles, 700 jornalistas) é a "festa anual do setor", como escreve o jornal Die Tageszeitung de Berlim.
O que se vê nos estandes é mais do que cenoura orgânica ou bolachas integrais. Além de alimentos orgânicos, há têxteis, cosméticos naturais (200 expositores), vinhos e uma infinidade de acessórios "biológicos".
Segundo o ministro-adjunto da Agricultura, Gerd Müller, a Alemanha é o segundo maior mercado mundial para produtos orgânicos, superado apenas pelos Estados Unidos. Em 2005, as vendas aumentaram 13% e atingiram quatro bilhões de euros. Esse valor representa 30% do mercado europeu do setor, informou a Associação Alemã dos Produtores de Alimentos Orgânicos (BÖLW).
Mesmo assim, falar em "boom" parece exagero, uma vez que os orgânicos representam apenas 2,7% do mercado total de alimentos da Alemanha, segundo cálculos da Agência Alemã de Mercados e Preços de Produtos Agrários (ZMP).
"Setor marginal" também no Brasil
No Brasil, estima-se que o mercado de orgânicos movimente 200 milhões de dólares ao ano. "Isso é bem menos do que 1% do mercado de alimentos, e mais de 70% desses produtos são exportados. Trata-se de um valor marginal, comparado com os 250 bilhões de dólares dos agronegócios", disse à DW-WORLD o assessor técnico do Ministério da Reforma Agrária (MDA), Jean Pierre Medaets, em Nurembergue.
Medaets admite que os incentivos dos governos federal e estaduais para o setor também não são muito expressivos. Em 2005, a União havia destinado 40 milhões de reais para projetos na área, como capacitação de técnicos e produtores e fomento à produção e comercialização de orgânicos, valor previsto também no orçamento de 2006.
No ano passado, porém, apenas 30 dos 40 milhões foram usados. "Muitos produtores, embora se dediquem à agricultura orgânica, usam linhas de crédito destinadas à agricultura familiar convencional", explica Medaets. "Precisamos investir mais na profissionalização do produtor, para que ele possa atuar no mercado externo", diz.
No mercado interno, segundo Medaets, a principal barreira aos orgânicos continua sendo o preço elevado. "Isso, sobretudo, nos supermercados, não tanto nas feiras locais", explica. Ele vislumbra novas chances para os exportadores brasileiros nas redes de supermercados alemães, que estão aderindo à onda verde.
Na questão do preço, o Brasil não difere muito da Alemanha. "Dois terços dos consumidores alemães preferem o preço baixo à qualidade e, por isso, não compram orgânicos", diz o jornalista Hans-Ulrich Grimm, especializado no assunto.
Faltam incentivos?
Segundo a Bioland, que congrega 4540 agricultores ecológicos e 720 produtores de alimentos integrais, os preços já seriam melhores, se alguns Estados alemães, como Baden-Würtemberg, Brandemburgo, Hessen, Saxônia e Schleswig-Holstein, não tivessem cortado os incentivos especiais dados ao setor.
Um estudo divulgado no início deste ano pela Comissão Européia rebateu críticas de que a agricultura orgânica é excessivamente subsidiada no bloco. "Ao contrário da opinião corrente, ela recebe, proporcionalmente, bem menos subvenções do que a agricultura convencional. No fomento direto e apoio ao mercado, que se orienta pelo volume produzido, até é relegada pela política agrária européia", diz o professor Stephan Dabbert, da Universidade de Hohenheim, autor do estudo.
Segundo Dabbert, a atual tendência do governo alemão de favorecer a chamada "biotecnologia verde" pode representar "mais um golpe na tenra plantinha do mercado orgânico". O "boom" tão propalado pelo setor e pela mídia pode ser de curta duração.