Pacote de medidas de Piñera aplacará protestos no Chile?
24 de outubro de 2019Desde o retorno da democracia, em 1990, o Chile apresenta uma economia estável e importante redução do nível de pobreza – de cerca de 40% a 8,6%, segundo pesquisa de 2017. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o país tem o terceiro maior Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina (15.777 dólares per capita), atrás do Uruguai e do Panamá, e deverá crescer 3% em 2019.
Embora ultimamente não seja o país com maior crescimento econômico da região, o Chile conseguiu estabelecer uma boa reputação econômica em nível internacional, tendo fechado pelo menos 36 tratados de livre-comércio com diferentes nações. Além disso, detém selos de exportador agropecuário, vitivinícola, pesqueiro e mineiro, ocupando um posto ideal para a realização de investimentos. No entanto, a crise social que o país atualmente atravessa coloca, em grande medida, esses números em cheque.
Após os episódios de violência e as numerosas manifestações dos últimos dias, que deixaram pelo menos 18 mortos, a economia chilena não tem apresentado contas brilhantes. A crise repercutiu também na Bolsa de Comércio de Santiago, que caiu 4,6%, enquanto o peso chileno se desvalorizou 2% em relação ao dólar.
"Todos se perguntam o que aconteceu com esse país e com as mobilizações atuais. Em comparação com outros da América Latina, o Chile tem se caracterizado por estabilidade econômica, inflação controlada e, em geral, está melhor do que dez ou 20 anos atrás", admira-se Detlef Nolte, membro do Conselho Alemão de Relações Exteriores (DGAP).
Longe de constituir um paraíso econômico, o Chile é uma das nações mais desiguais do mundo, junto a outros sete Estados latino-americanos, segundo o índice Gini do Banco Mundial. Como se viu refletido em diversos cartazes e faixas das manifestações, o descontentamento social não é pelos 30 pesos (menos de 0,04 euro) adicionais no preço dos transportes públicos – medida que o governo suspendeu – mas sim por representarem 30 anos de injustiças sociais, devido à distribuição desequilibrada de riqueza.
Segundo um artigo de 2017 do jornal New York Times, "Myths of the 1 percent: What puts people at the top" (Mitos do 1%: O que coloca as pessoas no topo), e dados oficiais do Banco Mundial, compilados em 2015, o 1% mais rico da população chilena acumula 33% da renda. Além disso, 70% dos trabalhadores recebem salário mensal líquido inferior a 550 mil pesos (680 euros), indica a Fundação Sol.
"O que ocorre é que economia do Chile não era tão brilhante, nem tão exemplar", afirmou à DW Gonzalo Martner, doutor em economia da Universidade de Paris Nanterre. "Já não é o país que mais cresce, mantém uma desigualdade de renda comparável à do Brasil ou Colômbia, segundo o índice Gini. Esse movimento social tinha que eclodir em algum momento, ocorreu com o aumento do metrô, mas podia ter sido com qualquer coisa."
Nolte partilha essa visão: "O problema é a distribuição de riqueza. Nestes anos temos visto que não melhorou, a maioria dos chilenos não ganha o suficiente, está endividada, e o índice Gini não melhorou. Desde Augusto Pinochet, tudo está privatizado, o que é muito ruim para a maioria, que não dispõe de recursos para um sistema privado com altos custos."
Nesta terça-feira (22/10), o presidente chileno, Sebastián Piñera, anunciou um pacote de medidas para aplacar algumas das demandas de parte dos cidadãos: um aumento do salário mínimo em 50 mil pesos (62 euros), novo imposto de cerca de 40% para os que ganhem mais de 8 milhões de pesos (9.950 euros), ou corte de 9,2% da tarifa de eletricidade, são algumas das propostas do mandatário para 2020, estimadas em 1,2 bilhão de euros.
Indagado pela DW se o Chile dispõe de condições econômicas para implementar as reformas propostas por Piñera, o professor Detlef Nolte frisa que ele "não é um país pobre, tem tido crescimento". "É necessário um processo legislativo, em que os partidos devem se pôr de acordo e ver o que se passa. É uma decisão sobre o modelo econômico, que precisa envolver a sociedade civil, a oposição; há que reforçar os sistemas sociais, de educação."
Quanto às medidas anunciadas, elas lhe parecem "paliativas": "Talvez sejam uma ajuda para os que não têm recursos, porém não é uma solução de longo prazo. A meu parecer, uma política mais redistributiva pode ajudar a melhorar a imagem do Chile, e talvez os investimentos das empresas", estima o membro do DGAP.
Por sua vez, o economista Gonzalo Martner acredita que o Chile obviamente dispõe dos recursos econômicos para implementar as medidas, mas a raiz do problema é a pouca disposição do governo para mudanças excessivamente profundas.
"O Chile hoje tem uma dúvida pública em torno de 27%, a da Alemanha é muito mais alta. Ou seja: o Chile possui uma capacidade de endividamento fiscal com taxas de risco muito baixas, o que permite que seja feito. Aqui, o problema não é econômico, mas de vontade política. Não é orçamentário, é do modelo social."
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