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Para brasileiros, desconfiança e medo são legados do 11/9

Mariana Santos11 de setembro de 2016

Atentados às Torres Gêmeas mostraram que EUA não eram tão inabaláveis. Atos de solidariedade marcaram brasileiros vivendo em Nova York, mas legado negativo também perdura na sociedade, 15 anos depois.

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Cíntia Corsi ainda guarda jornais e papéis perdidos da época do atentado
Cíntia Corsi ainda guarda jornais e papéis perdidos da época do atentadoFoto: Corsi

Passados 15 anos da maior tragédia da história recente dos Estados Unidos, a brasileira Cíntia Corsi, de 41 anos, ainda guarda na memória cada detalhe daquele terrível 11 de setembro de 2001 como se tivesse sido ontem: a confusão na saída do metrô próxima ao World Trade Center, a chegada ao trabalho a apenas um quarteirão de distância, as informações desconexas, o estrondo do segundo impacto, o caos.

"Eu trabalhava numa loja de sapatos, que mantivemos aberta mesmo após o choque dos aviões. O primeiro prédio caiu e não conseguíamos enxergar mais nada, mas continuamos lá, sem saber o que fazer. Até que um bombeiro nos mandou correr, porque o segundo prédio ia cair também", conta Cíntia.

Coberta de pó e sem um sapato, ela entrou num dos barcos que ajudavam a evacuar a área e foi parar em Nova Jersey, onde já havia serviço médico para quem chegava ferido. "Naquele dia, eu vi o que é este país: todo o mundo se ajudando, unido. Como fiquei sem trabalhar por um tempo, recebi ajuda financeira da Cruz Vermelha, mesmo informando a eles que eu tinha visto de turista. Eles disseram que não importava, porque eu também sofri as consequências do ataque."

Cíntia ainda guarda a roupa que usava no dia, junto com jornais da época e até papéis que voaram das janelas dos prédios atingidos. Abalada e com medo de uma guerra, a hoje secretária chegou a pensar em voltar ao Brasil. Mas logo desistiu, movida pela comoção geral para que a cidade e o país voltassem à normalidade.

Cíntia Corsi e chefe limpam poeira da loja, dias após desabamento do WTC
Cíntia e chefe limpam poeira da loja, dias após desabamento do WTCFoto: privat

O forte espírito de solidariedade também é a maior recordação que Sérgio Millerman tem daquele dia. O consultor de 65 anos testemunhou voluntários ajudando a controlar o trânsito, um aumento do fluxo de moradores de outras cidades a Nova York e uma imensa vontade de fazer "a roda voltar a girar". "Não tenho dúvida de que foi essa resiliência americana que fez com que o país se recuperasse rápido", afirma Millerman, que vive nos EUA há 26 anos.

Única brasileira sobrevivente do 11 de setembro conta história em livro

Os ataques terroristas de 11 de setembro marcaram de maneira profunda a vida da paranaense Adriana Maluendas, a única brasileira entre os sobreviventes da tragédia. Naquela manhã de 2001, ela estava em seu quarto no sexto andar do Marriott World Trade Center, localizado exatamente entre as Torres Gêmeas, e conseguiu escapar minutos antes de o complexo desabar.

Hoje com 44 anos, ela passou por várias terapias, para superar o trauma psicológico, e por tratamentos médicos para reabilitar a coluna, pisoteada no dia da tragédia. Entre as muitas imagens que ficaram gravadas em sua memória, estão a de uma mulher em pé, ao lado do elevador do sexto andar do hotel, olhando fixamente através da janela.

Adriana, que se preparava para fazer um exame de qualificação profissional naquele dia, conta que resolveu ir à recepção perguntar pelo motivo das sacudidas no prédio e do alvoroço do lado de fora, já que pelo telefone não conseguia falar com ninguém. Ao se aproximar da janela, viu tijolos, destroços e corpos mutilados espalhados pela praça do complexo.

Adriana Maluendas, única brasileira que sobreviveu à tragédia, conta sua experiência em livro
Adriana Maluendas, única brasileira que sobreviveu à tragédia, conta sua experiência em livroFoto: privat

"Eu gelei. Precisávamos sair dali. Puxei essa mulher e descemos as escadas correndo", lembra, emocionada. "O cheiro em toda a área era horrível, até hoje não encontro palavras para descrevê-lo. Disseram-me depois que era mistura de combustível, materiais dos prédios e corpos queimandos".

Como parte da terapia, ela passou a escrever sua história, que agora publica em forma de livro. Além das explosões está sendo lançado neste domingo (11/09) em Nova York, como parte das celebrações dos 15 anos da tragédia. "No início, foi muito difícil escrever sobre isso, porque nem para a minha família eu conseguia me abrir. Mas na metade eu senti um alívio na alma: eu consegui superar o trauma e a depressão, e quero ajudar outras pessoas."

Aumento da desconfiança

O cinegrafista Arthur Coimbra Costa Farias ainda dormia na hora em que as torres do WTC foram atingidas por aviões comandados por terroristas, por volta de 9h daquela terça-feira. Assim que se interou dos ataques, ele subiu ao terraço do prédio onde morava na época, no bairro do Queens, de onde poderia ver as torres. Mesmo estando longe, ele lembra que havia muita fumaça e um cheiro forte de queimado no ar.

"Tive a impressão de que a cidade estava sendo destruída e não ia sobrar ninguém. Peguei meu carro e corri para ficar com a minha filha", lembra o carioca de 49 anos. O trajeto, que em dias normais era de apenas dez minutos, naquele dia levou mais de uma hora.

Para Arthur, a tragédia mostrava ao mundo – mas, principalmente, aos americanos – que a superpotência não estava imune a ataques, e isso aumentou no país o clima de insegurança, que persiste até hoje. Com isso os imigrantes foram os primeiros a cair na "malha fina da desconfiança".

Bárbara Barros em Nova York, antes da tragédia do 11/9. Ao fundo, as Torres Gêmeas
Bárbara Barros em Nova York, antes da tragédia do 11/9. Ao fundo, as Torres GêmeasFoto: privat

"O ‘sonho americano’ ficou mais difícil depois dos atentados, percebi que a receptividade com os estrangeiros mudou." Nos últimos 15 anos, a formação de novos grupos terroristas e as novas ondas de ataques na Europa apenas ajudaram a renovar medos, observa o carioca, que vive há mais de duas décadas em Nova York.

Apesar de acreditar que a maioria dos cidadãos voltou às suas rotinas de antes dos atentados, a agente de comércio online Bárbara Barros também enxerga no medo um triste legado do 11 de Setembro. Seu chefe americano, por exemplo, parou de viajar de avião logo após os ataques, e ainda hoje quando o faz, é à base de calmantes. Ela mesma admite que evita falar de terrorismo em público ou mesmo em chats online: a brasileira de 33 anos viu surgir um país mais desconfiado e até mais racista do que em 2001.

"As eleições deste ano com certeza pesarão no futuro comportamento das pessoas que residem aqui. E, infelizmente, há um candidato que manipula essas memórias de medo e terror nas pessoas a fim de que consiga ser eleito", aponta a brasileira, em referência ao republicano Donald Trump.