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Penas de espancamento e suas consequências

Johan von Mirbach (av)7 de março de 2015

Jovens alemães foram sentenciados a golpes de vara em Cingapura, país notório por suas leis rigorosas. Punições físicas são comuns também no mundo árabe e na África. De onde vem o costume e o que causa aos condenados?

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Punição pública de criminoso na Pérsia, cerca de 1910Foto: picture alliance/Mary Evans Picture Library

No início de março de 2015, dois alemães foram condenados em Cingapura por vandalismo. No ano anterior, eles haviam invadido o depósito do metrô e grafitado um vagão. Além de nove meses de cadeia, os naturais de Leipzig, de 21 e 22 anos, foram sentenciados a receber, cada um, três golpes de vara nas nádegas – apesar de todas as manifestações de arrependimento e contrição.

Cingapura é notória e criticada internacionalmente pelas penas rigorosas previstas por sua legislação. Infrações simples, como comer ou beber em público, já são punidas com multas vultosas, equivalentes a até 3.300 euros.

O autoritário Estado castiga outros delitos com dureza ainda maior. Atos de vandalismo são passíveis de um máximo de três anos de prisão, além de três a oito vergastadas. Contrabandistas, por sua vez, estão sujeitos até à pena de morte.

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Castigo físico é sujeito a regulamentação rigorosa em Cingapura

Relíquia colonial

A punição por espancamento é uma relíquia dos tempos coloniais britânicos. Mas, enquanto o Reino Unido aboliu a pena de castigo físico em 1948, muitas de suas antigas colônias a mantiveram, entre elas, Cingapura.

No assim chamado caning (cane: "vara" em inglês), o condenado é imobilizado em posição levemente inclinada para a frente e golpeado nas nádegas despidas, até 24 vezes seguidas, por um funcionário especialmente treinado.

O instrumento de tortura também é regulamentado: trata-se de uma vara de junco ou material semelhante, com 1,20 metro de comprimento, 13 milímetros de espessura e bastante elástica, permitindo que se alcancem velocidades de até 160 quilômetros por hora.

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Vergastadas no Paquistão: herança colonial britânicaFoto: Abdul Sabooh

A finalidade é causar um máximo de dor com um mínimo de danos físicos permanentes. Ainda assim, após pelo menos três golpes, a pele geralmente se rompe, resultando em cicatrizes profundas. Antes da aplicação dos golpes, a vergasta é umedecida, evitando-se que farpas causem ferimentos mais graves.

Da espera ao trauma

"Muitas vezes, se subestima o efeito psíquico de tais penas", enfatiza o especialista em psiquiatria e traumatologia transcultural Jan Kizilhan. Pois a espera pela execução, em si, já pode ser fonte de grande estresse.

"Geralmente, as vítimas não são informadas sobre o momento exato da execução. Elas dormem mal, sofrem ataques de pânico ou sudorese súbita. E desenvolvem sentimentos de vergonha, associados a uma humilhação profunda."

Em Cingapura, as vergastadas são geralmente aplicadas no primeiro terço da sentença. Assim, os vândalos de Leipzig devem contar com suas pancadas nas próximas duas semanas.

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Vândalos alemães aguardam aplicação dos golpes de varaFoto: picture-alliance/dpa

"Muitas vezes, os condenados até sentem o castigo como um alívio", afirma Kizilhan. "Até então, a curva de estresse vai subindo de forma íngreme, para depois cair rapidamente. O estresse psíquico dá lugar à dor física."

Os efeitos físicos de algumas vergastadas são moderados, segundo o psicólogo alemão. Os sensíveis rins são protegidos por bandagens especiais. Se a pele arrebenta, nos dias seguintes a vítima terá problemas para se sentar e dormir de costas. Eventualmente, ficam cicatrizes visíveis. No pior dos casos pode, ocorrer uma infecção.

"A fase psicologicamente mais difícil é a posterior ao espancamento", frisa o traumatologista. "A lembrança humilhante fica inculcada. A ela, se associa o sentimento de impotência: a pessoa foi publicamente exposta." A vítima perde sua confiança básica no ser humano.

Tortura nem sempre é tortura

Em 2012, Cingapura condenou a ser vergastadas 2.500 pessoas, entre as quais, mil imigrantes ilegais. Porém, esse país não é o único a aplicar punições físicas: o mesmo ocorre nas vizinhas Malásia, Indonésia e Brunei. Além das vergastadas, é também muito comum aplicarem-se chibatadas ou pauladas nas solas dos pés.

As leis do mundo árabe preveem castigos ainda mais drásticos. Na Arábia Saudita, por supostamente ter insultado o islã, além enfrentar dez anos de cadeia, o blogueiro Raif Badawi está sentenciado a um total de inimagináveis mil chibatadas. Também na África, aplicam-se penas físicas semelhantes, sobretudo na Somália, Sudão, Nigéria e Tanzânia.

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Blogueiro Raif Badawi foi condenado a mil chibatadas na Arábia SauditaFoto: Tobias Schwarz/AFP/Getty Images

Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos interdite explicitamente, desde 1948, "castigos cruéis, desumanos ou degradantes", classificando-os como tortura, ela também contém um subterfúgio para seus signatários: a punição deixa de ser tortura quando as dores ou sofrimento forem consequência de sanções legalmente permissíveis. Ou seja: tortura só passa a ser tortura quando é proibida.