Portugal dá sinais de melhora econômica, mas crise prossegue
26 de fevereiro de 2015Nem mesmo os portugueses chegam a um consenso sobre a avaliação da situação econômica do país. De um lado estão o governo e muitos economistas, que dizem que o pior já passou. Do outro, assistentes sociais e representantes de organizações humanitárias dizem que a crise social ficará ainda pior.
O governo argumenta com a devolução antecipada de uma parte dos empréstimos do programa de resgate, os baixos juros pagos na emissão de títulos públicos e dados oficiais que indicam 14% de desemprego. Mas João de Sousa, da organização Assistência Médica Internacional, diz que é preciso analisar essas informações com cautela. Segundo ele, as estatísticas de desemprego em Portugal são maquiadas com cursos de formação inúteis, e muitas pessoas deixaram de se registrar nas agências de emprego por desesperança.
Por isso, a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses calcula que o índice de desemprego real no país supere 25%. A ele soma-se uma massa de supostos profissionais liberais que ganha muito pouco ou quase nada.
Alta taxa de pobreza
Mesmo quem está empregado não tem muito para se alegrar. O salário mínimo de cerca de 430 euros (quase 1,4 mil reais) é mais exceção do que regra. Principalmente quem trabalha nas indústrias voltadas à exportação – como o setor têxtil e calçadista – precisa se virar com esse valor mensal.
Assim, não é de se admirar que o índice de pessoas em risco de pobreza, medido pelo Instituto Nacional de Estatística, tenha chegado a 19%. Cerca de dois milhões de portugueses vivem com menos de 60% da renda média do país. Sousa diz que essa situação é desastrosa, ainda mais se for considerado que a rede social portuguesa, que já era deficiente, foi praticamente destruída pelas medidas de austeridade.
A professora de economia Aurora de Teixeira, da Universidade do Porto, afirma que os problemas sociais trazidos pela política de austeridade ainda estão longe de serem resolvidos. Ela concorda que o governo conseguiu equilibrar o orçamento público por meio do aumento das horas de trabalho, do corte de salários e da redução dos gastos públicos. Para a economia há, finalmente, uma luz no fim do túnel. Mas as pessoas menos favorecidas foram duramente atingidas pelo desmonte dos serviços sociais.
"Nós chegamos ao limite da nossa capacidade", afirma Sousa. O serviço de distribuição mensal de comida – oferecido gratuitamente pela organização dele no Porto – está sobrecarregado. O arroz, a batata e os enlatados não são suficientes para atender à demanda das pessoas carentes que buscam o serviço. Em Lisboa e outras grandes cidades, a situação não é diferente. A crise ainda está longe do fim, sustenta.
Jovens deixam o país
Segundo Teixeira, Portugal viveu muito além de seus meios, gastando mais do que tinha. Para ela, no entanto, isso mudou. Se for deixado de lado o serviço da dívida, o orçamento está até mesmo com superavit. Assim, ela avalia que as medidas drásticas de austeridade, que causaram tantos estragos, valeram a pena. "Há novamente esperança. O pior já passou", opina.
No entanto, faltam ainda mudanças estruturais. A professora diz que Portugal precisa produzir mais e melhor para conseguir mais dinheiro, e não se concentrar apenas em serviços, como o setor de turismo. Teixeira, porém, não consegue explicar como isso seria possível diante dos baixos salários pagos pelas empresas portuguesas.
Por serem mal pagos ou por não conseguirem um contrato fixo de trabalho, cada vez mais jovens portugueses com bom nível educacional estão indo para outros países. Desde o início da crise, mais de 100 mil portugueses migraram para Reino Unido, França e Alemanha. O fenômeno ocorre principalmente entre os profissionais com nível superior, como engenheiros e economistas, mas também atinge trabalhadores especializados, como enfermeiros.
Por causa do corte de gastos promovido pelo governo, hospitais e clínicas públicas portuguesas enfrentam um problema crônico de falta de pessoal. Guadalupe Simões, do sindicato dos enfermeiros, reclama que os funcionários são muito mal pagos. "Eu entendo que esses jovens não querem um contrato temporário de 700 euros. Isso quando conseguem um. Assim, eles estão indo cada vez mais para o exterior."
Margem de manobra
Teixeira destaca que foram justamente essas medidas de austeridade que resgataram a confiança dos mercados no país. Segundo ela, só assim Portugal conseguiu pagar uma parcela de sua dívida de resgate mais cedo e pôde pedir dinheiro emprestado a juros mínimos – pouco acima de 2%. "Isso eleva a margem de manobra do governo, que pode estabelecer prioridades políticas de forma independente", explica.
Os primeiros sinais do fim da política de austeridade já estão aparecendo. O governo suspendeu uma pequena parte dos cortes salariais. Espera-se que outras medidas venham no decorrer do ano, já que 2015 é ano eleitoral e parece consenso que o povo já sofreu o bastante.