Presos políticos no sistema de trabalhos forçados na RDA
23 de junho de 2015Na antiga Alemanha Oriental, sob regime socialista, entre 250 mil e 300 mil cidadãos foram encarcerados entre 1949 e 1989 devido a seu posicionamento político. O número de prisões foi especialmente alto na primeira década após a fundação da República Democrática Alemã (RDA), porém, mesmo nos anos 80, ainda havia entre 3 mil e 4 mil novos presos políticos a cada ano.
Muitos deles foram colocados atrás de grades por suspeita de "fuga da República" – ou seja, a intenção de escapar da ditadura de cunho soviético. Até mil desses presos políticos eram "comprados" anualmente pela ocidental República Federal da Alemanha (RFA), livrando-se, assim, do cárcere e do terror da Stasi, o serviço secreto da RDA.
Assim como os criminosos comuns, os presos políticos eram recrutados para trabalhar, por exemplo, na indústria têxtil ou química, a fim de fechar lacunas da economia nacional. Como estavam presos injustamente, contudo, sua mão de obra deve ser classificada como trabalhos forçados.
Com o fim de esclarecer o sistema de trabalhos forçados para presos políticos na RDA, a encarregada do governo alemão para os estados da antiga Alemanha Oriental, Iris Gleicke, apresentou em Berlim um estudo encomendado por seu departamento.
Fator econômico
O relatório revela que, oficialmente, sequer havia presos políticos na Alemanha comunista. Mas, nos primeiros anos da RDA, eles estavam espalhados por todas as penitenciárias do país, juntamente com os criminosos comuns. Mais tarde, foram distribuídos por uma meia dúzia de locais, havendo, por exemplo, prisões especiais para os que aguardavam ser deportados para o Ocidente. Nada disso vinha a público, naturalmente.
A partir de 1971, com o início do regime de Erich Honecker, a força de trabalho dos condenados à prisão – de 15 mil a 30 mil por ano, inclusive os detentos políticos – passou a aparecer formalmente no planejamento econômico central, revela o autor do estudo, Jan Philipp Wölbern, do Centro de Pesquisa de História Contemporânea de Potsdam.
Além de examinar os dossiês do Stasi, Wölbern compilou seus dados a partir dos cadastros centrais de detentos e de testemunhos pessoais. A exploração da mão de obra dos presos visava, acima de tudo, angariar divisas.
Com esse fim, eles produziam, por exemplo, meias-calças femininas, que eram vendidas para a RFA e pagas com marcos ocidentais. Estes serviam para o governo socialista comprar do Ocidente os bens de consumo que faltavam no deficiente sistema econômico da RDA.
Segundo o jornalista e ativista dos direitos humanos Roland Jahn, o estudo demonstra que não se pode atribuir exclusivamente à Stasi a injustiça na Alemanha Oriental: a RDA, como um todo, era um sistema de injustiça.
Além disso, fica comprovado que o Partido Socialista Unitário da Alemanha (SED), portanto a liderança política do país, desempenhava um papel significativo como instituição central de planejamento, conclui Jahn, que também é o encarregado do governo alemão para os arquivos do Stasi – posto criado em 1990 e cujo primeiro titular foi o atual presidente alemão, Joachim Gauck.
"Trabalho sujo"
Os pesquisadores revelam que, subjetivamente, muitos presos políticos nem percebiam o trabalho como tão negativo, por representar uma alternativa bem-vinda ao isolamento e à inação.
No entanto, as condições para eles eram frequentemente mais duras do que para os demais detentos, com a aplicação de normas mais rigorosas. Muitos eram designados para os plantões noturnos ou para funções especialmente pesadas e perigosas, o "trabalho sujo".
Tanto a proteção no local de trabalho como o acompanhamento médico eram deficientes, como confirma Christian Sachse, encarregado da União das Associações de Vítimas da Ditadura Comunista, que representa centenas de ex-trabalhadores forçados da RDA. Alguns tinham que limpar mercúrio altamente tóxico com vassouras e pás; outros foram longamente expostos aos vapores de metais pesados, possível causa do câncer que desenvolveram posteriormente.
Cooperação com ditaduras, hoje
Roland Jahn reivindica que se investiguem com maior rigor científico esses efeitos da prisão, pois a base fatual ainda é precária e há poucos estudos a respeito. O tema só veio mais amplamente a público em 2012, quando o conglomerado sueco Ikea admitiu que desde a década de 80 sabia do emprego de presos políticos em sua produção de móveis na RDA.
O encarregado dos arquivos do Stasi enfatiza a necessidade de examinar mais de perto o papel das empresas no sistema de exploração de mão de obra. Contudo, falta disposição de fornecer informações entre as 6 mil firmas que participaram do comércio interno alemão entre a RDA e a RFA.
Embora se calcule que os produtos de cerca de 100 empresas ocidentais eram manufaturados por trabalhadores forçados, apenas "um punhado" delas pediu para ver os dossiês do Stasi em seu departamento, criticou Jahn. Ele instou as firmas implicadas a contribuírem financeiramente para as associações de vítimas da ditadura da RDA.
Por sua vez, a encarregada dos estados do leste Iris Gleicke mostrou-se "muito cautelosa" em relação a exigências de mais ressarcimento, a fim de "não despertar esperanças impossíveis de realizar". Afinal, as vítimas da ditadura do partido SED já têm direito a uma aposentadoria-indenização. Em vez disso, Gleicke incentivou as empresas a participarem das atividades de homenagem às vítimas – por exemplo, para a criação de um memorial no antigo presídio de Naumburg, no estado da Saxônia-Anhalt.
Tanto Jahn como Sachse chamam a atenção para as questões que a antiga prática entre as Alemanhas lança atualmente. Em outras palavras: como se pode atualmente praticar comércio com ditaduras, sabendo-se que nelas os próprios padrões trabalhistas e sociais não são respeitados.