Vítimas de doping forçado na Alemanha Oriental ainda precisam de ajuda
8 de novembro de 2014Ines Geipel é presidente do Grupo de Apoio às Vítimas de Doping, organização com sede em Berlim que luta pelos direitos de atletas forçadamente submetidos a doping na Alemanha Oriental.
Em 1984, ela fez parte da equipe feminina de atletismo SC Motor Jena, a qual quebrou o recorde de revezamento 4 x 100 na Alemanha Oriental. A própria Geipel, porém, pediu que o recorde fosse removido, argumentando que resultou de doping. Em entrevista à DW, ela conta que os efeitos das substâncias químicas causaram sérios problemas de saúde que até hoje acompanham os atletas e que pouco tem sido feito para ajudá-los.
DW: Por que o doping forçado era comum na Alemanha Oriental?
Ines Geipel: A Alemanha Oriental era um país pequeno, fechado, regido por uma ditadura e que no início da década de 1970 foi reconhecido internacionalmente. Em 1974, o governo lançou um plano nacional, em que foi decidido que seriam dados hormônios masculinos a todos os atletas de esportes de elite. Isso significa que as substâncias foram fornecidas a todos, desde crianças de oito anos de idade até a seleção de futebol. Eram cerca de 15 mil pessoas e nenhuma delas tinha alternativa. Não se podia dizer "não vou fazer isso".
Se negasse, a pessoa seria excluída, imagino.
É verdade. O problema com este sistema da RDA (República Democrática Alemã, a Alemanha Oriental) era que os atletas não eram avisados de que aquelas substâncias eram altamente agressivas e que, caso as tomassem, elas teriam câncer mais tarde. Em vez disso, os esportistas só ouviam "você está treinando muito, precisa tomar essas vitaminas, elas irão ajudá-lo a se recuperar mais rápido". Foi tudo escondido. Os atletas não eram informados do que estava acontecendo, não havia um consentimento. Essa é a história por trás do doping político na RDA.
De quais problemas de saúde esses ex-atletas estão sofrendo até hoje?
Estamos falando de danos sérios a órgãos, principalmente coração, pulmões e fígado. Há também crianças com deficiência e muitos casos de câncer, distúrbios no metabolismo da gordura e assim por diante. Por causa dos esteróides que eles tomavam, poderiam treinar muito mais e, por isso, o desgaste no corpo era muito pior. Temos casos de costas danificadas, artrite e problemas nas articulações. Mas o mais triste é que a lista de mortes continua crescendo. Esses atletas estão morrendo. Recentemente, um ex-halterofilista, Gerd Bonk, que já foi celebrado como herói, como o homem mais forte do mundo, morreu por falência múltipla dos órgãos.
Houve pagamentos de indenizações para alguns atletas, mas os valores foram baixos. Por que até hoje, 25 anos após a queda do Muro de Berlim, nada mais foi feito?
Ninguém assume a responsabilidade, nem na política nem no mundo dos esportes. Depois que as luzes e as câmeras se apagam, os atletas são levados a lidar com o problema sozinhos, mas eles não conseguem. Cerca de 80% dos ex-atletas da RDA hoje em dia vivem com assistência social. Eles não conseguem pagar pelo medicamento ou terapia que necessitam. Eles também estão tentando obter informações sobre seu passado. Nossa organização encaminhou pedidos ao escritório de registros e arquivos da Stasi (serviço secreto da RDA) para que os atletas possam descobrir o que fizeram com eles. Os responsáveis – médicos e treinadores – não têm dito nada. É uma situação difícil.
O que pode ser obtido para esses atletas?
Temos tentado há algum tempo, junto com representantes do meio político, obter uma pensão adequada para os ex-atletas e vítimas. Também estamos tentando captar recursos em conjunto com organizações esportivas. Queremos construir duas clínicas especializadas, com médicos experientes em problemas de saúde advindos do uso das substâncias químicas. Essa é a necessidade. Muitos dos atletas que estamos falando têm várias doenças que afetam o estado mental e os órgãos, por exemplo. É realmente necessário ter médicos especialistas na área.
A Alemanha moderna aprendeu com o doping conduzido no passado?
Com certeza. Hoje em dia não há nada parecido com o doping forçado e a intrusão na vida privada das pessoas, como acontecia na Alemanha Oriental. Mas eu não acho que aprendemos o suficiente. Nós ainda não temos outra visão sobre o esporte: o foco está sempre na eficiência. Percebo isso nos sistemas de escalação e nas escolas de esportes de elite. Isso é uma influência da RDA que ficou no esporte alemão.