Proibir trabalho infantil não resolve o problema
25 de junho de 2014"Políticos pleiteiam jornada semanal 35 horas para menores", foi a manchete dos jornais alemães há algumas semanas. No entender do político Martin Patzelt, especialista em assuntos familiares da União Democrata Cristã (CDU), alunos não podem trabalhar mais do que adultos.
A origem desse debate é a constatação de que muitas crianças e adolescentes da Alemanha empregam a mesma carga horária em atividades escolares que adultos empregados em expediente integral.
Segundo pesquisa da organização alemã de defesa dos direitos infantis Deutsches Kinderhilfswerk e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), os alunos alemães entrevistados passam em média, 38,5 horas por semana envolvidos com assuntos escolares. Entre os que cursam os últimos cinco anos, a carga semanal chega a 45 horas.
Em muitos países do mundo, porém, tal debate parece totalmente estranho. Pois lá as crianças trabalham não somente pela própria educação, mas também para assegurar a renda familiar. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), há cerca de 168 milhões de trabalhadores infantis no mundo – meninos e meninas que exercem regularmente uma atividade remunerada.
Mais de metade desses menores – 85 milhões – atuam sob condições de exploração, ou seja, em locais perigosos como pedreiras e plantações comerciais, durante a noite e por períodos excessivos, ou são tratados como escravos.
Condição social e tradição
Trabalho infantil é bastante comum na Ásia, África e América Latina – em todo lugar onde há pobreza extrema. Na América do Sul, por exemplo, entre 20% e 35% das crianças no Peru e na Bolívia trabalham; na Colômbia, Equador e Paraguai esse índice fica entre 10% e 17%; na Argentina, Brasil, Chile, Uruguai e Venezuela, entre 5 e 8%.
Organizações como a Terre des Hommes (TDH) se engajam por essas crianças e suas famílias. Surpreendentemente, elas afirmam que proibir a mão de obra infantil em geral não ajuda: muito mais importante é definir um limite claro entre o trabalho infantil explorativo e o que não é.
"Procuramos fortalecer e apoiar as crianças que praticam atividades remuneradas em condições não explorativas, para que elas melhorem o seu marketing e consigam ganhar mais dinheiro mais rápido e, assim, tenham mais tempo para a escola e o lazer", explica Barbara Küppers, diretora da seção de direito infantil da TDH.
"Férias da batata"
Naturalmente há regiões no mundo onde os menores de idade não precisam sofrer para contribuir com a renda familiar – principalmente em zonas rurais, afirma Küppers. "Lá, trabalho significa pouco a pouco aprender a participar, aprender como as coisas crescem, como transcorre a colheita e como se pode alcançar algo em conjunto. Esses são aspectos bem positivos do trabalho." Importante é que, paralelamente ao trabalho, também haja uma formação escolar, ressalta.
Manfred Liebel, cientista político da Universidade Técnica de Berlim e assessor da União das Crianças e Adolescentes Trabalhadores da Bolívia (Unatsbo), é da mesma opinião. "Na Bolívia, a tradição dos povos indígenas tem papel fundamental. Para eles, desde pequenas as crianças devem contribuir no trabalho. Nesse aspecto, a colheita e a pesca são muito importantes."
Poucas décadas atrás, também na Alemanha era comum usar-se mão de obra infantil no campo. As férias de outono eram chamadas em muitos locais era de "férias da batata", porque nesse período as crianças da zona rural precisavam ajudar na colheita do tubérculo.
Escravidão moderna
Entretanto, Küppers alerta contra uma romantização do trabalho infantil. "Não se deve achar 'lindas' certas formas de exploração, só porque em determinadas culturas sempre foi assim. É preciso conversar com as próprias crianças, para saber o quem se pode fazer com elas e por elas."
Na Índia, há um mecanismo tradicional de exploração bastante difundido. O sistema "sumangali" legitima uma forma de escravidão moderna profundamente enraizada na sociedade: meninas, em geral pertencentes à casta mais baixa, são contratadas em fábricas têxteis durante vários anos como "aprendizes".
Esses contratos não são assinados diretamente com as empresas, mas com intermediários que recrutam as meninas em aldeias da região. Os pais recebem um pouco de dinheiro – que em caso de casamento, terá que ser pago à família do noivo. As jovens trabalham então nas fábricas, por um salário de fome e sem contato com o mundo externo.
Respostas claras
Exploração e escravidão moderna não atingem apenas crianças: elas despontam por toda parte onde a carência material obriga as pessoas a aceitarem qualquer forma de trabalho, por pior que seja. Portanto, a exploração infantil só pode ser impedida efetivamente se houver um combate generalizado a qualquer forma de trabalho explorativo, defende Küppers.
"Muitos produtos disponíveis no mercado foram produzidos a partir da exploração de outras pessoas – jovens e adultos", lembra a executiva da Terre des Hommes, acrescentando tratar-se de uma responsabilidade de todos. "Enquanto consumidor, pode-se perfeitamente cuidar para só adquirir produtos de comércio justo, se for possível." Muitos telefones celulares, por exemplo, são fruto de trabalho escravo, exemplifica.
Mas há sinais positivos. Desde 2000, houve uma redução de um terço no trabalho infantil, e a tendência é decrescente. Segundo o diretor geral da OIT, Guy Ryder, o que deve ser feito não é nenhum segredo: "As respostas corretas para o trabalho infantil são: segurança social com ensino de qualidade obrigatório e para todos, pelo menos até a idade mínima laboral, condições de trabalho dignas para adultos e jovens, legislações efetivas e diálogo social forte."