Isolamento da Síria
11 de agosto de 2011A Síria vem se isolando cada vez mais e perdendo o apoio de tradicionais aliados. O governo da Turquia, até pouco tempo dos mais próximos de Damasco, vem se distanciando do presidente Bashar al-Assad. Uma reunião na capital da Síria entre o chefe de governo do país e o ministro turco do Exterior, Ahmed Davutoglu, não alcançou resultados. Assad rejeitou os apelos turcos para conter a violência contra manifestantes, afirmando que não vai parar de "perseguir grupos terroristas", segundo informou a agência de notícias estatal síria Sana.
Davutoglu apelou para que Assad não use mais as Forças Armadas contra seus próprios cidadãos e deixou claro que sua atual política de opressão põe em risco as relações com Ancara. Numa reunião do partido AKP na capital da Turquia, o primeiro-ministro do país, Recep Tayyp Erdogan, afirmou que Damasco tem agora 15 dias para encaminhar "verdadeiras reformas". Ele classificou a retirada das tropas de Hama como um "sinal de que nossa iniciativa está dando frutos".
Tensão pode levar a conflito com a Turquia
O think tank Orsam, sediado em Ancara, advertiu que a tensão crescente entre Turquia e Síria pode levar a um conflito entre os países. "Pela primeira vez, a Turquia está dizendo claramente a Assad que ele deve abandonar o poder através de um processo democrático e pacífico. Assad, por outro lado, se recusa a renunciar e, em vez disso, decidiu desafiar as iniciativas da Turquia", afirmou Veysel Ayhan, professor associado da entidade.
"Prevemos que depois da reunião entre Assad e Davutoglu as tensões em curso entre Turquia e Síria irão evoluir para um conflito. Este teria vários níveis, desde sanções econômicas até uma intervenção militar", concluiu.
A Turquia vinha sendo um dos maiores aliados da Síria na região. Nos últimos anos, Ancara havia investido fortemente nas relações políticas, econômicas e de segurança com seu vizinho, e os dois países estavam até falando num modelo de integração econômica para a região. No entanto, a sangrenta repressão do regime aos protestos contra o governo sírio pesou sobre as relações bilaterais.
O primeiro-ministro turco advertiu semana passada que Ancara está "perdendo a paciência" com os acontecimentos na Síria. Ele disse também que, para a Turquia, o problema dos direitos civis na Síria não é tido como um assunto de política externa, mas como uma questão doméstica.
Árabes também criticam Assad
Os países vizinhos da Síria também estão reforçando a lista de críticos. Arábia Saudita, Kuwait e Barein chamaram seus embaixadores em Damasco para consultas. O rei saudita Abdullah anunciou que a violenta repressão aos protestos viola valores morais e religiosos. Ele pediu reformas rápidas e amplas na Síria. Estas palavras vindas de Riad surpreendem pela clareza, segundo Abdulkhaleq Abdulla, professor de ciência política na Universidade dos Emirados Árabes Unidos.
"A iniciativa saudita mostra que o regime na Síria começou a perder muitos de seus amigos importantes no nível árabe, regional e internacional. E agora a Arábia Saudita se junta à lista e bate na mesma tecla, afirmando que o regime sírio não está lidando com esta crise corretamente", disse Abdulla. "O uso da violência contra o povo, e isso durante o Ramadã, é assustador e não é possível permanecer em silêncio diante disso por muito mais tempo."
A revolução árabe tem abalado muitos países da região, e o reino saudita até agora não tomou uma posição clara. A Arábia Saudita ajudou a esmagar o levante no Barein, e os sauditas se abstiveram completamente em relação a Líbia, Tunísia e Egito. "Mas, aparentemente, a Arábia Saudita está agora planejando uma reviravolta", afirma o especialista em Oriente Médio Michael Lüders.
"A Arábia Saudita quer ter uma imagem progressista e critica Bashar al-Assad, o que é merecido, mas não o faz sem interesses", ressalta Lüders. "Por um lado, ela quer criar uma imagem melhor para si mesmo no mundo árabe. Por outro lado, a Síria é um aliado próximo do Irã. E o Irã e a Arábia Saudita são, como todos sabem, arqui-inimigos."
Crítica saudita pode influenciar elites sírias
A batalha entre o Irã e Arábia Saudita pela liderança no Oriente Médio começou muito antes da chamada Primavera Árabe. Mas agora o rei Abdullah pode estar vendo uma oportunidade na Síria. Tradicionalmente, os maiores contrastes da região se reúnem neste país, mais do que em qualquer outro lugar.
A secular Síria é hoje um parceiro leal da teocracia xiita do Irã. Uma Síria pós-Assad, que é membro do ramo alauita dos xiitas, seria mais provavelmente liderada por sunitas, assim como a dinastia que governa a Arábia Saudita. O que, segundo muitos especialistas, seria do interesse do rei Abdullah.
Mas a crítica saudita também é significativa na medida em que envia um sinal claro à elite síria, comenta Ayham Kamel, analista do Eurasia Group em Washington. De acordo com ele, os governos do Golfo até agora forneceram a Assad certo apoio diplomático ao permanecerem em grande parte em silêncio.
"Ao passarem a condenar o regime, eles enviam um sinal às elites políticas e econômicas da Síria, especialmente aos sunitas, de que devem reconsiderar sua fidelidade a Assad", disse Kamel à agência de notícias Bloomberg.
Caminho arriscado
Ao pedir reformas na Síria, no entanto, o rei saudita escolhe um caminho arriscado. Afinal de contas, ele mesmo rejeita qualquer mudança em sua monarquia absolutista.
"Na Arábia Saudita, não houve até agora uma demanda significativa por abertura política e democracia", observou Lüders. "Mas, mesmo assim, a liderança saudita baixou leis mais severas em abril. Desde então, críticas aos governantes, à sharia islâmica e à ordem do país são sujeitas a penalidades adicionais. O rei Abdullah tem que ter cuidado para que seu apelo por reformas na Síria não seja ouvido pelo povo da Arábia Saudita", completou.
O Ocidente, em especial os Estados Unidos, saudou a resposta clara por parte dos sauditas. O peso-pesado político e econômico no mundo árabe mostrou o cartão vermelho ao presidente da Síria.
Apoio financeiro
"E, sem apoio financeiro, a Síria não pode pagar suas contas", avaliou Lüders. A economia do país está à beira da falência e precisa desesperadamente de apoio dos sauditas. A Arábia Saudita tem, portanto, muitas possibilidades de colocar pressão sobre a Síria usando esta dependência financeira.
No entanto, Rami Khouri, diretor do Instituto Issam Fares de Política Pública e Assuntos Internacionais da Universidade Americana de Beirute, previu que a pressão internacional não terá um impacto imediato sobre a Síria, mas vai levar tempo. A pressão vai vir de dentro, à medida que a Síria se tornar mais e mais isolada no cenário internacional, acrescentou. Assad, então, não terá outra opção se não buscar uma saída.
"Quando eles estiverem completamente isolados, sem ninguém no mundo que os apoie a não ser os iranianos, então eles têm um problema real e serão obrigados a encontrar uma solução política", disse Khouri à agência de notícias AFP. "Mas aí pode ser tarde demais."
Autores: Petra Nicklis / Sabina Casagrande / Ayhan Simsek (md)
Revisão: Roselaine Wandscheer