CNV revela caso de tortura em fábrica da Volkswagen
12 de dezembro de 2014"Estava trabalhando e chegaram dois indivíduos com metralhadora, encostaram nas minhas costas, já me algemaram. Na hora em que cheguei à sala de segurança da Volkswagen já começou a tortura, já comecei a apanhar ali, comecei a levar tapa, soco", contou Lúcio Bellentani, funcionário da Volkswagen de São Bernardo do Campo, à Comissão Nacional da Verdade (CNV).
O caso que ocorreu em 1972 foi descrito no relatório final da CNV, a qual investigou violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar no Brasil. No documento de mais de 3 mil páginas, um capítulo é dedicado às violações contra trabalhadores, e outro mostra a cooperação de empresas com o regime.
O relatório revela a existência de um aparato repressivo militar-empresarial, na qual as firmas monitoravam funcionários, repassando informações e fazendo denúncias ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Além disso, indica empresas que contribuíram moralmente e financeiramente com o golpe de 1964 e com a Operação Bandeirante (Oban), um aparelho de repressão montado pelo Exército.
"É importante ter em vista que as práticas colaborativas mencionadas constituíram caminhos cotidianos para as graves violações. Foi a partir do controle, vigilância, monitoramento, das listas sujas e das delações, que trabalhadores foram presos, torturados, assassinados e vítimas de desaparecimentos forçados", afirma o documento.
Delações e criminoso nazista
Várias empresas nacionais e multinacionais são citadas no relatório. Entre as alemãs estão a Volkswagen, Mercedes-Benz e Siemens. As três são apontadas por contribuir com recursos à Oban.
O documento, no entanto, apresenta com mais detalhes a participação da Volkswagen e sua contribuição com o regime militar: "Sobre a Volkswagen do Brasil, existe ainda uma profusão de documentos que comprovam a cooperação da empresa com órgãos policiais de segurança do Dops."
Além disso, o relatório traz a revelação do caso de tortura praticado dentro da fábrica em São Bernardo do Campo e da prisão do criminoso de guerra Franz Paul Stangl em 1967, enquanto ele trabalhava na mesma unidade da Volkswagen.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Stangl foi o comandante dos campos de extermínio Sobibor e Treblinka, na Polônia. O nazista chegou ao Brasil em 1951 e depois de alguns anos foi contratado pela Volkswagen, onde era o responsável pela montagem do setor de vigilância e monitoramento da fábrica em São Bernardo do Campo, segundo o documento da CNV.
Para a historiadora alemã Nina Schneider da Universidade de Constança, ainda não está esclarecido até que ponto a sede da Volkswagen na Alemanha sabia do envolvimento da filial no Brasil com o regime militar. "Isso ainda tem que ser apurado. Mas a Volkswagen alemã vai ter que lidar com esse caso, porque algumas pessoas pedem a responsabilização das empresas."
Volkswagen irá investigar
O diretor do departamento de Comunicação Histórica da Volkswagen na Alemanha, Manfred Grieger, disse à DW Brasil que a empresa irá investigar "todos os indícios de uma possível participação de funcionários da Volkswagen do Brasil em violações de direitos humanos durante a ditadura militar", assim como identificar os responsáveis por esses atos.
"A Volkswagen lamenta muito que pessoas tenham sofrido ou tenham sido prejudicadas economicamente durante a ditadura militar, eventualmente, por meio da participação de funcionários da Volkswagen do Brasil", afirma Grieger.
Para o jornalista e ativista da ONG Centro de Pesquisa e Documentação Chile e América Latina Christian Russau, após a apresentação do relatório da CNV, a Volkswagen tem a obrigação de apurar os casos não somente no Brasil, mas também na Alemanha. Ele espera que a empresa apresente os resultados da investigação a toda sociedade.
"As pessoas atingidas naquela época precisam decidir se vão entrar na Justiça brasileira contra a empresa para pedir uma indenização. E, se o caso não for esse, a Volkswagen na Alemanha precisa decidir se vai assumir a responsabilidade pelo que a filial fez naquela época e, talvez, determinar uma forma de indenização aos atingidos ou construir um memorial às vítimas", explica Russau.