Sul-coreanos enfrentam ameaça de guerra com serenidade
20 de abril de 2017As ocorrências da segunda semana de abril na Península Coreana têm sido pretexto para comparações dramáticas por parte de diversos veículos de imprensa.
Para The New York Times, elas lembraram a crise de Cuba, no início dos anos 1960, quando só por um triz a comunidade mundial escapou de uma guerra atômica. Na terça-feira (18/04), o Korea Herald colocou em sua primeira página a questão crucial: "Quão provável é uma nova Guerra da Coreia?"
No dia seguinte, o centro da capital sul-coreana, Seul, mostrava seu lado mais idílico. Depois de dois dias chuvosos, o céu brilha azul vivo, os funcionários dos escritórios em volta aproveitam a hora do almoço para um passeio ao longo do riacho Cheonggyecheon, ladeado de cerejeiras em flor.
Quase não se nota que, a menos de uma hora de carro dali, está a fronteira entre as duas Coreias. Em caso de guerra, essa área entre a prefeitura e a sede presidencial sul-coreana seria um alvo estratégico ideal para a artilharia norte-coreana.
Sem vivência da guerra real
A estudante de literatura inglesa Kim Eun-jeong, de 23 anos, dá a fórmula de tamanha tranquilidade: "Só porque a Coreia do Norte está fazendo mais uma burrice, nós não podemos deixar que isso determine as nossas vidas."
Kim obviamente conhece as histórias de sua mãe, que no início dos anos 90 se escondia debaixo de sacos de arroz, com medo de uma possível guerra. Mas ela própria nunca parou para pensar numa guerra de verdade. "Às vezes meus amigos brincam que, em caso de guerra, vão fugir para o estrangeiro. Mas eles não estão falando a sério."
Dezenove andares acima, no clube de imprensa coreano, os garçons de terno preto servem salada de atum e camarões fritos. O tema que domina as conversas de almoço é o vizinho inimigo.
"Para a geração mais velha, que ainda vivenciou a Guerra da Coreia, a Coreia do Norte ainda é o mal em carne e osso", explica um ex-redator de política do diário Joongang Ilbo. "A juventude, porém, nunca viveu o perigo real. Mas talvez a mentalidade dela também seja um pouco ingênua."
Acostumados ao estado de alarme
Para quem observa de fora, é difícil entender tal contradição: o povo que mais sofreria numa escalada bélica com a ditadura comunista do norte reage, em parte, com serenidade relaxada.
No sábado, enquanto a Coreia do Norte comemorava o 105º aniversário do fundador de seu Estado, Kim Il Sung, com um desfile de soldados, veículos blindados e porta-mísseis, o tema mais discutido ao sul da Zona Desmilitarizada (ZDC) era o show da banda britânica de rock Coldplay.
O especialista em Coreia do Norte Brian Myers comparou essa "ignorância fatalista" a uma espada de Dâmocles pairando sobre as cabeças dos sul-coreanos. Por um lado, como a ameaça partindo de Pyongyang é onipresente já há décadas, os cidadãos se acostumaram ao constante estado de alarme.
Só que isso é apenas parte da verdade, pois a crise da Coreia do Norte é também uma crise da mídia: como catalisador da histeria bélica generalizada serviu a afirmativa da NBC News de que Washington partiria para o ataque preventivo, no caso de mais um teste nuclear de Pyongyang.
Crise da mídia
Se se tratasse de qualquer outro assunto, dificilmente teria causado tanto alvoroço essa notícia de uma emissora de TV americana – citando diversas fontes anônimas, imediatamente desmentida pelas fontes oficiais e tachada de "alarmismo" pelos especialistas. Mesmo assim, quase todas as agências de notícias, jornais e mídias online adotaram, gratos, a chamativa manchete, apesar da carência de fatos corroborativos.
Na noite de terça-feira, também as notícias sobre o porta-aviões americano Carl Vinson se revelaram uma meia-verdade. "Vamos mandar uma armada. Muito poderosa", declarara o presidente Donald Trump uma semana antes à TV Fox News.
Naquele momento, no entanto, o porta-aviões navegava no sentido contrário, em direção à Austrália, para lá participar de uma manobra militar, a 5 mil quilômetros de distância do alvo anunciado por Trump. Só na quarta-feira o Pentágono admitiu que a frota em questão partiria "no prazo de 24 horas" em direção da Península da Coreia. Continua indefinido quando ela alcançará o litoral coreano.
Trump, fator de imprevisibilidade
Nas ruas do centro de Seul, a reação foi um sacudir de ombros coletivo. Afinal de contas, todos os anos a população assiste à mesma encenação.
No segundo trimestre, começam as manobras militares conjuntas com as Forças Armadas dos Estados Unidos, a Coreia do Norte se indigna, inicia um teste de mísseis, pelo qual a comunidade mundial a condena severamente. No último ato, as tensões por fim amainam – até a próxima crise.
A bem coreografada farsa teatral se repete há décadas, em loop contínuo. No entanto desta vez o nervosismo foi mais pronunciado do que normalmente, sobretudo entre diplomatas e correspondentes.
"O maior perigo são erros de cálculo recíprocos entre Kim Jong Un und Donald Trump", afirma Jean Lee, primeira jornalista ocidental a abrir um escritório da agência de notícias AP em Pyongyang, em 2012.
Até agora, não está bem claro o que o chefe de Estado quer, na verdade. "Trump rompe com muitas regras tradicionais e parece agir por puro instinto", diz Lee. A seu ver, no entanto, essa imprevisibilidade seria parte da estratégia de Trump.
"Eu não me sinto insegura ou coisa assim. Afinal, em todos estes anos não aconteceu nada", resume a estudante de pedagogia Hyun-jin, que faz estágio no centro de Seul.
Ela chegou a dar uma olhada nas notícias alarmantes no smartphone, mas, no fim, das contas, está mais preocupada com os problemas políticos internos. A ex-presidente da Coreia do Sul Park Geun-hye está em prisão preventiva, devido a um escândalo de corrupção, e em 9 de maio o país elegerá seu sucessor. "Mas, afinal de contas, talvez nós também sejamos simplesmente um pouco ignorantes em relação à Coreia do Norte", admite a estudante Hyun-jin.