Tensão entre EUA e Israel vira disputa aberta
30 de dezembro de 2016Oito anos de tensão entre dois aliados historicamente fiéis se tornaram uma disputa aberta esta semana, quando o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, levou sua intransigência a um novo patamar, durante os últimos dias de mandato do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
Com Obama no cargo por mais três semanas, o premiê israelense tentou contorná-lo ao apelar para o presidente eleito Donald Trump para tentar bloquear uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que condenaria a construção de assentamentos por Israel na Cisjordânia.
Mas as maquinações de Netanyahu falharam, e a abstenção dos Estados Unidos durante a votação da resolução do Conselho de Segurança da ONU tornou possível que Israel recebesse sua repreensão mais dura da instituição em mais de 35 anos.
Na terça-feira, o jornal israelense Haaretz publicou um forte ataque à quebra de protocolo por Netanyahu. "Netanyahu não quer ninguém interferindo enquanto ele destrói relações diplomáticas com países, alguns deles amigos de Israel, que 'ousaram' votar pela resolução que declara os assentamentos ilegais", escreveu o jornal. "O enterro do Ministério do Exterior e o abandono da diplomacia mostraram ser partes de um amplo e perigoso plano para se afastar do Direito internacional e parar de jogar segundo as regras dele."
Algum tempo atrás, Netanyahu dissolveu na prática o Ministério do Exterior, passando a tratar de todas as questões de relações externas a partir de seu gabinete. O especialista Aaron David Miller, do centro de estudos Wilson Center, em Washington, classifica o imbróglio como "uma conclusão adequada para uma novela de oito anos", chamando a relação pessoal entre os líderes dos EUA e Israel como "a mais disfuncional nos últimos 30 anos".
Contraste de personalidades
Em parte, essa disfunção, segundo ele, é provocada pelo contraste entre as personalidades de Obama e de Netanyahu. Mas, além das personalidades e do que parece ser uma antipatia pessoal, a relação azedou mesmo por causa de duas visões opostas de como avançar para uma solução pacífica para o conflito israelo-palestino, que cozinha em fogo brando e ferve em intervalos regulares desde que Israel tomou os territórios ocupados, Cisjordânia e Faixa de Gaza, durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Em 2005, Israel se retirou da Faixa de Gaza, apesar de manter um controle externo do território por meio de restrições.
Há mais de duas décadas, a sabedoria convencional diz que o caminho para uma paz viável e sustentável entre israelenses e palestinos é uma solução de dois Estados, ou seja, um Israel soberano e uma Palestina soberana, lado a lado. Fundamental para essa solução é a compreensão de que Israel teria que desocupar muitos de seus assentamentos na Cisjordânia, que seriam devolvidos aos palestinos. Netanyahu apoiou verbalmente essa ideia, mas na prática a ignorou, avançando com as construções de assentamentos em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia.
A resolução da ONU chama a construção de assentamentos de Israel de uma "violação flagrante do Direito internacional" que não tem "validade legal". A resolução, que não dispõe de um mecanismo de implementação nem prevê sanções, também exige que Israel respeite a Convenção de Genebra no que se refere ao seu papel como potência de ocupação na Cisjordânia e, de certa forma, também na Faixa de Gaza.
Dilema para Netanyahu
A resolução da ONU cria um dilema para Netanyahu, de acordo com Miller. "Ele está entre a pressão internacional pelo avanço rumo a um acordo de paz e a pressão da extrema direita de Israel, que está ansiosa por mais assentamentos", afirma o especialista. "Ele não quer ser refém de sua própria ala direita, o que lhe cria dificuldades significativas. Ele pode tentar restringir a ala direita contra mais construções na Cisjordânia ou ele pode ir com o fluxo internacional".
O secretário de Estado americano, John Kerry, jogou ainda mais gasolina na fogueira nesta quarta-feira, ao fazer um discurso de 70 minutos sem precedentes não só na duração, mas também no conteúdo. Nele, Kerry disse que a paz e uma solução de dois Estados não são só moralmente corretas, mas do interesse de Israel.
"Raramente um discurso de política externa dos EUA é tão longo e feito com tanta paixão, irritação e até raiva", observa Miller, que vê sobretudo um propósito na fala do secretário de Estado. "Ela coloca a questão para a posteridade, é uma base retórica."