1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Thiago Wild e o inaceitável orgulho de "ser opressor"

Nina Lemos
Nina Lemos
7 de junho de 2023

Não se trata de 'cancelamento', esse termo que hoje é usado para tudo, mas de pagar por seus atos e palavras. Violência contra a mulher é um assunto muito sério, e que precisa parar de ser banalizado, também no esporte.

https://p.dw.com/p/4SFGt
De braços erguidos e sorrindo, o tenista Thiago Seyboth Wild comemora vitória contra o número 2 do mundo, o russo Daniil Medvedev, durante o aberto de Roland Garros, na França, em 30 de maio de 2023.
O tenista Thiago Wild, que, em troca de mensagens com a ex-parceira, teria dito "Sim, tá namorando um cara opressor e machista e sempre soube que eu era".Foto: Benoit Tessier/REUTERS

Ano passado, fui almoçar na casa de uma conhecida alemã e, no fim do almoço, ela perguntou se eu gostava de história. Eu disse que sim.

Ela me chamou para um canto e me mostrou um álbum de fotos que ficou escondido por anos na casa dos seus pais. Nele, seu avô colou fotos dos anos da guerra, onde serviu ao exército nazista. Hanna (nome fictício) só teve acesso ao tal álbum quando seu pai morreu. Ela não só não tinha orgulho, como nunca soube desse passado. "Por que meu pai não me contou nada? Por que não jogou isso fora??", ela se perguntava.

Lembrei da cara de choque e de vergonha de Hanna quando li as mensagens do tenista Thiago Wild, divulgadas no fim de semana pela imprensa brasileira. Nas mensagens, trocadas por Thiago com a biomédica e influenciadora Thayane Lima, sua ex-mulher, que o acusa de violência doméstica e abuso psicológico, ele parece se vangloriar do passado nazista de sua família.

Segundo os prints divulgados, em diálogo com a ex em 2019, ela teria perguntado: "Sua mãe não gosta de gays, negros e judeus, não é isso?" Ele teria respondido: "Sim. Minha família por parte de mãe é nazista. Literalmente. O meu bisavô, pai do pai da minha mãe, era o antecessor do Hitler". "Foi ele quem trouxe o dito da Áustria, e ensinou a vida pro Hitler". A conversa, reproduzida em redes sociais e na imprensa brasileira, mostra que Thiago em seguida mandou fotos do avô perto do ditador nazista e comentou: "O Hitler em posição de sentido logo na frente do biso".

Antepassados nazistas?

O caso, com motivos, virou um escândalo. Thiago seria tataraneto de Dietrich Klagges, que foi integrante do Partido Nacional-Socialista Alemão dos Trabalhadores (NSDAP) e ex-ministro do Interior do estado de Braunschweig, único governo estadual, além da Turíngia, que na época era liderado com participação do partido nazista e onde Hitler conseguiu sua naturalização alemã depois de diversas tentativas frustradas. O bisavô, Friedrich Seyboth, teria sido médico das tropas nazistas na Segunda Guerra Mundial e virado prisioneiro de guerra.

Sua ascendência, em si, não é um problema. Ninguém escolhe ser bisneto de alguém ou deve ser responsabilizado por crimes praticados por antepassados. O problema é como nos relacionamos com nossas origens e as nossas ações.

Na Alemanha é comum que as pessoas, assim como minha amiga Hanna, tenham antepassados nazistas, inclusive porque servir à guerra foi obrigatório. Só que, na maioria dos casos, as pessoas morrem de vergonha disso.

Thiago, um tenista de destaque, que podia virar a nova sensação do esporte (ele virou notícia no mundo todo ao derrotar Daniil Medvedev, atual número 2 no ranking mundial, no campeonato de Roland Garros) ainda não foi condenado por nada.

Mas, de acordo com as trocas de mensagens divulgadas, ele tem uma personalidade que vai além do "polêmico", e suas ideias se aproximam de comportamentos criminosos.

E, pior, ele parece se orgulhar de todos esses traços.

"Opressor e machista"

Nas trocas de mensagens com a ex, ele teria avisado: "Sim, tá namorando um cara opressor e machista e sempre soube que eu era."

Ou seja, ele parece dizer "sou assim, gosto e não vou mudar".

E ele prova, de fato, que é machista e opressor. Em outras mensagens, ele demonstra um comportamento violento. Nas mensagens divulgadas, Thiago, o machista orgulhoso, chama a namorada de burra, anta, imbecil. Como um bom opressor, reclama das fotos que ela posta em rede social: "Você vai apagar as fotos de piranha. Ou quando eu voltar vou apagar eu mesmo", teria ameaçado.

As mensagens são de doer o estômago e não é sem motivos que ela o processou por assédio moral. Em uma briga, ela reclama do comportamento do namorado e ele responde: : "E tu com as pobres que tu vive, pretas f*** e sei lá quem mais".

A influenciadora registrou uma ocorrência no fim de 2021 em uma delegacia do Rio de Janeiro por violência psicológica, injúria e lesão corporal. Ele teria machucado seu dedo e destruído coisas no apartamento onde viviam. Após a denúncia, Thiago passou a ser investigado pela polícia. Ele foi indiciado em outubro de 2021 e, seis meses depois, denunciado pelo Ministério Público do Rio por violência doméstica e psicológica. O processo corre em segredo de Justiça. Nesta terça-feira (06/06), Thiago divulgou que vai se apresentar ao Ministério Público do Rio de Janeiro no âmbito do processo.

O tenista ainda não foi condenado. Mas é difícil imaginar que depois disso tudo ele tenha futuro no esporte.

"Ah, mas não é justo que ele seja cancelado", dizem alguns. Não se trata de "cancelamento", esse termo que hoje é usado para tudo. Mas de pagar por seus atos e palavras. Violência contra a mulher é um assunto muito sério, e que precisa parar de ser banalizado no esporte, assim como o racismo. Não tem como. Algumas coisas são inaceitáveis.

Após a divulgação das mensagens no último fim de semana, em comunicado à imprensa, Thiago afirmou que "Eu e meus pais jamais tivemos ou concordamos com quaisquer posturas racistas, nazistas ou homofóbicas e repudiamos veementemente a campanha difamatória em curso".

_____________________________

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

Pular a seção Mais sobre este assunto
Pular a seção Mais dessa coluna

Mais dessa coluna

Mostrar mais conteúdo
Pular a seção Sobre esta coluna

Sobre esta coluna

O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.