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Vitória de Cameron abala lideranças rivais

Barbara Wesel, de Londres (av)8 de maio de 2015

Triunfo absoluto dos conservadores no Reino Unido, contrariando todas as especulações e pesquisas de intenção de voto, faz outros partidos questionarem estratégia política e líderes a renunciarem em série.

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Foto: Getty Images/AFP/L. Neal

Em nenhum outro país do Ocidente a noite da apuração das urnas é tão longa como no Reino Unido. Durante cerca de 12 horas, conta-se, à mão, confere-se e soma-se. Pois num sistema eleitoral de maioria simples, como o britânico, algumas centenas de votos podem decidir entre a vitória e a derrota.

Entretanto, nesta quinta-feira (07/05) a surpresa já foi enorme logo no início da noite. Encerrada a votação, a pesquisa de boca de urna projetou uma vitória totalmente inesperada para o Partido Conservador do primeiro-ministro David Cameron.

Semanas a fio, as pesquisas de intenção de voto vinham predizendo avanços significativos para o oposicionista Partido Trabalhista, o que suscitou alentadas especulações dos comentaristas sobre possíveis governos de coalizão ou de minoria.

Agora tudo isso não passa de papel desperdiçado. Para os encarregados das pesquisas eleitorais, sobra a tarefa de explicar como puderam se enganar tanto. Certo é que, para o Reino Unido, o resultado será um panorama político totalmente reconfigurado.

Júbilo na vitória conservadora

O vencedor inesperado é David Cameron. O premiê conservador conseguiu uma façanha há décadas inacessível a seus antecessores: estando em exercício, aumentar significativamente o apoio eleitoral a seu partido e conquistar a maioria absoluta dos assentos no Parlamento.

Um dos fatores que contribuíram para tal sucesso foi o total colapso dos liberal-democratas, atuais parceiros de coalizão dos tories. Além disso, estes conseguiram se impor muito melhor do que se esperava diante dos trabalhistas. Em muitas das zonas eleitorais disputadas a unha, onde o Labour contava com uma maioria era apertada, bastaram mínimas oscilações do eleitorado para garantir a dianteira aos conservadores.

A alegria parece ainda maior por ser tão inesperada. Logo cedo nesta sexta-feira, Cameron postou no Twitter uma foto sua ao lado da radiante esposa, Samantha, num abraço carinhoso. Pouco depois ele enviava o brado de triunfo para seus auxiliares de campanha: "É a vitória mais doce!"

Numa breve declaração, o chefe de governo prometeu levar adiante o trabalho de sua atual legislatura, para estabilizar o crescimento econômico de olho no nível de emprego e aposentadorias asseguradas. Ele deseja unir o país, afirmou: isso será a sua tarefa mais urgente, e também a mais difícil. E, claro, bem no topo de seu programa de trabalho está o prometido referendo sobre a permanência ou não dos britânicos na União Europeia.

Großbritannien Wahl zum Unterhaus Ergebnis SNP Nicola Sturgeon
Nicola Sturgeon (c) fez bela figura na campanha para o ParlamentoFoto: Reuters/Russell Cheyne

Nacionalistas escoceses em ascensão

Uma olhada no mapa político do Reino Unido após a eleição revela dois países diferentes. Ao norte, a Escócia foi totalmente dominada pelo Partido Nacionalista Escocês (SNP). Não se tratou apenas de uma vitória para sua líder, Nicola Sturgeon: foi uma verdadeira parada triunfal.

Em sua campanha, ela se destacou como política convincente, combativa e, ao mesmo tempo, sincera. Em sua própria terra, ela conquistou sem reservas os corações dos eleitores, e angariou simpatias até mesmo no resto do país.

O SNP esmagou na Escócia os trabalhistas, tradicionalmente arraigados na região – fator que contribuiu para o fiasco do partido de Ed Miliband em nível nacional. Assim, os nacionalistas abocanharam praticamente todos os assentos disponíveis em Westminster.

Sua líder assegura que, pelo menos no momento, não pretende lançar um novo referendo sobre uma eventual separação da Escócia do Reino Unido. No entanto, ela terá que se indagar que grau de autonomia em relação a Londres é capaz de sustentar. Analistas especulam se o Reino Unido pode se tornar um Estado federal, nos moldes da Alemanha.

Nicola Sturgeon terá, ainda, que considerar como implementar as muitas e custosas promessas da campanha eleitoral. Seja como for, a nação parece dividida, e será inescapável uma briga feroz em torno da unidade do reino e da distribuição das verbas.

Derrocada trabalhista

O líder trabalhista Ed Miliband já quase se considerava o próximo premiê britânico. Porém logo teve que reconhecer que a noite seria dura para ele e o seu partido, redundando numa derrota avassaladora.

Não funcionou, em nível nacional, a estratégia de campanha de voltar as costas ao "New Labour" e sua política centrista, atacando os ricos e se aproximando da ala de esquerda. O resultado nas urnas foi muito pior do que para o último primeiro-ministro trabalhista, Gordon Brown, e a legenda está a anos-luz de participar do governo.

Großbritannien Wahl zum Unterhaus Ergebnis Labour Ed Miliband
Amargo despertar para Ed MilibandFoto: Getty Images/AFP/J. Tallis

Somente em Londres a bandeira vermelha tabalhista ainda está de pé. Em outras zonas eleitorais houve vítimas de peso: Ed Balls, secretário informal do Tesouro (shadow chancellor) e colaborador próximo de Miliband, perdeu seu mandato de deputado por falta de algumas centenas de votos.

Apesar de ser uma das figuras mais conhecidas entre os trabalhistas, Balls também perdeu parte de seu eleitorado para o populista de direita Ukip. Para Miliband, o chefe de partido, não sobrou alternativa senão renunciar o mais depressa possível. E mais uma vez o Labour terá que se reinventar radicalmente, com novos quadros e uma nova política.

"Lib-dems" sufocados na coalizão

Para os liberal-democratas, revelou-se desastrosa a participação na coalizão de governo com os conservadores, nos últimos anos, e eles perderam quase todos os assentos na Câmara dos Comuns. Na Escócia e em outras partes do reino, foram praticamente apagados do mapa. Entre os políticos de ponta jogados para o escanteio está o atual ministro da Economia e economista-chefe dos liberais, Vince Cable.

O líder Nick Clegg, que não foi capaz de dar um perfil próprio a seu partido e unir seus apoiadores, também foi forçado a jogar a toalha. O sufocante abraço dos tories no governo revelou-se fatal, e no momento é difícil prever se os lib-dems conseguirão se recuperar desse baque.

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Liberal-democrata Nick Clegg e esposa, Miriam González DurántezFoto: Reuters/A. Yates

A situação é análoga ao destino do Partido Liberal-Democrático (FDP) da Alemanha após as últimas eleições parlamentares: também ele foi esmagado pela dominância do parceiro majoritário de coalizão, a União Democrata Cristã (CDU) de Angela Merkel.

Ukip abaixo das expectativas

Foi sobretudo o sistema eleitoral de maioria simples que barrou o caminho do Partido da Independência do Reino Unido (Ukip) à Câmara dos Comuns. Embora cerca 13% dos eleitores de todo o país tenham votado nos populistas de direita, cujo principal bandeira é o combate à imigração. esse apoio se traduziu em parcos assentos.

Sem conseguir tampouco um posto na Câmara, seu líder, Nigel Farage, uma das personagens mais controversas da política britânica, renunciou já nesta sexta-feira. E assim parece selado o destino do homem do copo de cerveja na mão e retórica corrosiva.

O apogeu da trajetória do Ukip como partido parece ter passado. Os eurocéticos têm poucas chances de influenciar a política nacional nos próximos anos, e é até mesmo questionável se dessa maneira, à sombra do poder, eles conseguirão sobreviver por muito tempo no Parlamento.