Instabilidade na França e Alemanha é "má notícia" para a UE
6 de dezembro de 2024A última quarta-feira (04/12) foi um longo dia para o primeiro-ministro francês que menos tempo ocupou o cargo. À noite, o governo minoritário de Michel Barnier, de 73 anos, foi derrubado em um voto de desconfiança na câmara baixa francesa, a Assembleia Nacional, que viu adversários tanto da esquerda como da extrema direita se unirem contra ele.
"Essa moção de desconfiança tornará tudo mais sério e mais difícil. É disso que tenho certeza", sentenciou Barnier antes da votação. Na manhã de quinta-feira, ele apresentou oficialmente sua renúncia – mas continuará como primeiro-ministro interino até que um novo governo seja formado.
O presidente francês, Emmanuel Macron, não perdeu tempo e em poucas horas estava sondando candidatos ao cargo. Macron tem rebatido pedidos para que ele mesmo renuncie, o que não é inédito em sua trajetória, agora no segundo mandato presidencial, que expira em 2027.
O que vem a seguir para a França?
Macron nomeou Barnier em setembro, uma indicação considerada pouco provável pela baixa relevância eleitoral do seu partido, o conservador Republicanos. Assim, o governo esperava pôr fim a meses de incerteza política. O presidente havia convocado eleições legislativas antecipadas que, em julho, deixaram a Assembleia Nacional dividida em três grupos, nenhum deles forte o suficiente para governar sozinho.
Uma ampla coalizão de esquerda, a Nova Frente Popular, venceu as pesquisas, mas o partido de extrema direita Reunião Nacional, de Marine Le Pen, obteve o maior número de votos como partido único.
A aliança centrista e pró-mercado "Ensemble", de Macron, não quis trabalhar com nenhum dos dois. Em vez disso, eles formaram um governo minoritário com o Partido Republicano de direita de Barnier, apesar de seu desempenho historicamente ruim.
No cargo, o conservador Barnier fez das finanças da França uma de suas prioridades. A relação entre a dívida do país e o Produto Interno Bruto (PIB) está o dobro do permitido pelas regras da União Europeia – em 6,1% atualmente. O desequilíbrio fiscal levou a França e integrar o rol de países que foram oficialmente repreendidos pela Comissão Europeia.
Barnier propôs um orçamento para 2025 e uma reforma da previdência social que teria reduzido a dívida pública, mas exigiu aumentos de impostos e cortes de gastos que a esquerda e a extrema direita criticaram como medidas de austeridade que negligenciam as necessidades dos cidadãos. Ele apresentou ao parlamento uma escolha: votar a favor desse orçamento ou o governo cai. Eles escolheram a segunda opção, desencadeando a moção de desconfiança que o derrubou.
Número de deputados permanece inalterado na Assembleia Nacional
Não está claro o que está por vir para a França, que nunca havia experimentado esse nível de volatilidade política desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
O equilíbrio de poder na Assembleia Nacional permanece o mesmo. Ela está dividida em três blocos que relutam em fazer coalizão entre si. A formação do governo parece tão difícil quanto em julho. Macron deixou claro que ficará, e novas pesquisas legislativas não poderão ser convocadas até meados de 2025.
Quem seguir Barnier como primeiro-ministro estará em uma posição igualmente fraca, lutando para que sua visão política seja aprovada pelo parlamento francês. De acordo com o sistema presidencial do país, a maior parte do poder está concentrada nas mãos de Macron, embora ele pareça ter um controle cada vez menor.
Tempos difíceis pela frente para Paris e Berlim
Para a Europa, tudo isso provavelmente significa uma França mais preocupada e uma possível desaceleração de decisões coletivas importantes.
"Precisamos de um governo francês que trabalhe para que a legislação europeia também seja aprovada, portanto, quanto mais rápido tivermos um governo, melhor", disse à DW Sophie Pornschlegel, do Centro Jacques Delors, um think tank em Berlim.
O período de três meses em que a França ficou sem governo antes da nomeação de Barnier não causou muitos problemas, observou ela, mas esse período foi menos crucial porque a nova Comissão Europeia ainda não havia tomado posse.
No entanto, Pornschlegel também advertiu que não se deve ser muito alarmista: "Há também a possibilidade de que não seja uma crise política tão grande, porque eles formarão um novo governo com relativa rapidez."
Ao mesmo tempo, a Alemanha também está em "modo de espera". O chanceler federal Olaf Scholz deu um tempo em seu incômodo governo de coalizão no mês passado, com eleições marcadas para fevereiro. Um novo governo deve tomar posse em Berlim até junho. Até lá, é provável que o governo se abstenha de tomar decisões políticas ousadas.
"É uma má notícia. O que precisamos em tempos de crise e de turbulência geopolítica é ter uma liderança forte e estável", disse Pornschlegel.
A Alemanha e a França também enfrentam uma perspectiva econômica sombria. Em novembro, o banco de investimentos Goldman Sachs previu que ambos os países – as duas maiores economias da zona do euro – sofreriam uma contração econômica em 2025, embora o mercado único, intimamente interligado, como um todo, evitasse a recessão.
"Apesar desses desafios, os dados de atividade econômica da zona do euro indicam um crescimento modesto, mas positivo", escreveu o economista Sven Jari Stehn.
Trump 2.0 no horizonte
Paris e Berlim são normalmente considerados o principal eixo de poder na União Europeia (UE), conduzindo políticas e definindo os principais contornos da agenda do bloco de 27 membros. Suas preocupações internas emergem em um momento crítico.
Em janeiro, Donald Trump retornará à Casa Branca para um segundo mandato como presidente dos Estados Unidos. Para a UE, isso provavelmente significa o retorno da escalada das tarifas, o que significa más notícias para a indústria automobilística alemã em particular.
No âmbito da Otan, os Estados europeus podem esperar críticas regulares de Washington por gastos menores com defesa, o que equivale a uma percepção de parasitismo do poderio militar dos EUA. Trump já havia ameaçado deixar membros da aliança militar sob ataque se defenderem sozinhos caso não gastassem o suficiente em suas Forças Armadas.
O presidente eleito republicano "America First" também disse que encerrará rapidamente a guerra na Ucrânia, pressionando Kiev a negociar com Moscou. Se Trump retirar o apoio militar dos EUA à Ucrânia, a UE será pressionada a se esforçar muito para preencher essa lacuna.
Para Pavel Zerka, do Conselho Europeu de Relações Exteriores, independentemente do que esteja acontecendo em Paris e Berlim, o retorno de Trump significa que os demais devem se mobilizar. "Os europeus simplesmente precisam assumir uma parcela maior do ônus quando se trata de defender a Europa e apoiar a Ucrânia", disse ele à DW.
"Certamente, uma participação francesa enfraquecida nessas discussões será sentida. Mas isso significa simplesmente que outros países precisarão assumir um papel maior, sair da sombra e de suas zonas de conforto."