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Wong Kar Wai: um cineasta chinês à frente do júri da Berlinale

Alexandre Schossler10 de fevereiro de 2013

Com visual exuberante e lutas de teor filosófico, "The Grandmaster", do cineasta "cult" Wong Kar Wai, inaugurou a 63ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim. Uma abertura à altura.

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Foto: 2011 Block 2 Productions Ltd.

"Meus filmes são, para mim, uma espécie de memória postiça": assim Wong Kar Wai caracterizou certa vez sua relação com a profissão que escolheu. Esta lhe permite fazer o que seria impossível de outra forma: voltar ao passado. Talvez aqui esteja uma chave para se compreender a obra do cineasta chinês. Seus filmes são viagens encantadoras a mundos que parecem estranhos e geralmente passados.

A obra de Wong Kar Wai o tornou um artista de amplo reconhecimento, para além de fronteiras e estilos. Assim Dieter Kosslick, o diretor do Festival Internacional de Cinema de Berlim, não hesitou quando surgiu a oportunidade de abrir a edição de 2013 com o novo filme de Wong Kar Wai, The Grandmaster.

O diretor já havia sido designado presidente do júri em setembro do ano anterior, quando ainda não era certo se sua nova produção, enfocando o mundo das artes marciais, estaria pronta a tempo para ser exibida na Berlinale. Mas por trás dos bastidores, havia a certeza de que um filme de Wong Kar Wai pode ser programado até mesmo às cegas. Naturalmente The Grandmaster é exibido fora da competição pelo Urso de Ouro: afinal, não seria correto o chinês decidir sobre o mérito de seu próprio filme.

Outros grandes festivais internacionais, como Cannes ou Veneza, ficariam orgulhosos de ter um filme de Wong Kar Wai. Ele pertence, hoje, a um seleto círculo de artistas cujos nomes são sinônimo de cinema inovador e moderno, e que fazem disparar o coração dos cinéfilos. Este ano, o 63º Festival Internacional de Cinema de Berlim conseguiu pontuar em dobro, com um Wong Kar Wai que preside o júri e assina o filme de abertura.

Deutschland Berlinale 2013 Wettbewerb Yi dai zong shi
Zhang Ziyi interpreta uma mestre de kung fuFoto: Berlinale 2013

A serviço do cinema

Wong e os demais membros do júri têm 19 filmes para julgar nos próximos dias. Em uma primeira conferência de imprensa, o diretor já deixou clara sua posição sobre o trabalho em Berlim. "Estamos aqui para servir aos filmes, não para avaliá-los. Queremos reconhecer e apreciar filmes que achamos inspiradores e comoventes." Soa como humildade e sabedoria asiáticas, mas no final o chinês não vai poder escapar de tomar uma decisão.

Experiência é o que não lhe falta. Em 2006, ele já fora presidente do júri de um grande festival, o de Cannes. O fato de ter sido uma produção dirigida por Ken Loach a receber a Palma de Ouro, pode ser interpretado com indicador de soberania artística de Wong. O britânico Loach é conhecido por um cinema de crítica social, áspero, porém terno. O extremo oposto de seu colega asiático, cujas obras são marcadas por imagens opulentas, cenários elaborados e refinamento estético.

Dois anos antes, na própria Cannes, o chinês conseguira consolidar sua hoje quase mítica reputação no mundo da sétima arte. Poucas obras despertaram tantos boatos no festival quanto seu 2046, selecionado para a mostra competitiva. O filme vai ficar pronto? Em que versão chegará aos cinemas? O que Wong Kar Wai nos mostrará desta vez? O mundo do cinema discutia avidamente, pois se sabia tratar-se da obra de um grande mestre. Seu filme anterior, Amor à flor da pele (2000), deixara extasiados os cinéfilos de todo o mundo.

Fama cult

Wong Kar Wai sabe se encenar como personalidade. Ele não tira os óculos escuros nem mesmo em espaços fechados, e foi exatamente assim que apareceu diante da imprensa mundial na quinta-feira (08/02) em Berlim. Desde sua estreia, em 1988, com As tears go by, ele já rodou dez longas-metragens. Ao contrário de outros seus compatriotas famosos, como Zhang Yimou ou Chen Kaige, Wong facilitou o acesso para os espectadores ocidentais. Geralmente eram histórias de jovens na metrópole, filmes sobre crime, prostituição e drogas, também histórias de amor entre homens e mulheres, e entre homens e homens.

Contudo, nunca se trata de tramas contadas cronologicamente ou de forma convencional. O que interessa o diretor é o mundo das emoções, lembranças, humores. E isso pode ser apreciado em escala global. Os filmes de Wong são permeados por seres urbanos, indivíduos perdidos e uma grande melancolia, coisas que fazem com que suas produções também agradem ao público ocidental. "Cinema da geração MTV", decretou certa vez um crítico, referindo-se às primeiras produções do cineasta.

Deutschland Berlinale 2013 Wettbewerb Yi dai zong shi
Cineasta chinês quis transmitir uma nova imagem das artes marciaisFoto: Berlinale 2013

Imagens de incrível beleza, aplicação sofisticada da dramaturgia musical, efeitos fílmicos, como a câmera lenta. O cosmos visual de Wong Kar Wai é de uma estética estilizada. Sobretudo na Alemanha, ele conta com uma multidão de fãs. "Os filmes de Wong são um único stream of consiousness, narrado fragmentariamente, em imagens soltas, associativas mas sutis, as quais – juntamente com a dramaturgia da cor, fragmentos de diálogo e de pensamentos e com a música –, formam um tapete atmosférico denso e ritmicamente preciso, sem igual no cinema atual", define uma monografia em alemão.

Viagem ao passado

ComoThe Grandmaster se encaixa nessa obra? O diretor já arriscara uma incursão no gênero de artes marciais, em 1994, com Cinzas do passado. A nova produção não deverá ser tão fácil de decifrar pelo público ocidental como seus demais filmes. The Grandmaster conta a história de dois mestres de kung fu (um dos quais é uma mulher!), sobre o pano de fundo da invasão da China pelo Japão, nos anos 1930. A partir desses elementos, Wong desenvolve um complexo jogo sobre honra familiar, papéis sexuais e identidades nacionais.

Nascido em Xangai mas criado em Hong Kong, ele diz situar-se na tradição dos filmes de artes marciais da antiga colônia britânica. Para o cineasta-artista, no entanto, cada troca de golpes ganha a dimensão de um ato filosófico. "O filme não é um espetáculo de kung fu", disse em Berlim: ele quis, antes, mostrar como tradição e filosofia são transmitidas. "Espero que nosso filme dê uma nova imagem do que são as artes marciais. É mais do que um esporte de luta: elas influenciam nosso modo de vida e são capazes de conferir grandeza espiritual."

Pelo menos uma conexão pode ser estabelecida entre os filmes anteriores de Wong – melancólicos e urbanos – e sua incursão no gênero das artes marciais. EmThe Grandmaster, o diretor também realiza uma viagem ao passado e leva o espectador numa opulenta jornada visual. A Berlinale teve uma abertura à altura!

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Nova obra tem mesmo cuidado visual que filmes anteriores do diretorFoto: Berlinale 2013

Autor: Jochen Kürten (md)
Revisão: Augusto Valente