Angola: "João Lourenço está cada vez mais a armar a tropa"
13 de dezembro de 2021Depois da detenção de dezenas de ativistas em Cabinda, da alegada morte de um manifestante da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) em Benguela e da repressão de um protesto em Luanda, tudo neste fim de semana, André Augusto, da SOS Habitat, não tem dúvidas: "Os direitos humanos estão no risco vermelho em Angola".
Com o aproximar das eleições no país, e um claro favoritismo de Adalberto Costa Júnior, constata o ativista angolano, "João Lourenço não vai tolerar manifestações durante o ano de campanha eleitoral".
DW África: Este fim de semana ficou marcado pela repressão de protestos em várias regiões de Angola. Pode-se dizer que o direito à manifestação está sob ameaça em Angola?
André Augusto (AA): Com certeza. Morreu muita gente em 2020, aquando da Covid-19, e atualmente, por exemplo, estamos a ver esta questão que ocorreu no fim de semana, a detenção de dezenas de ativistas em Cabinda, a morte de um membro da UNITA em Benguela... Portanto, os direitos humanos em Angola estão no risco vermelho, porque as autoridades acham que a repressão pode resolver o problema da crise social que os cidadãos vivem.
DW África: Os últimos acontecimentos são um sinal de que o Governo vai ter tolerância zero no que diz respeito a críticas a João Lourenço neste ano pré-eleições?
Este é o cenário que [o Governo] apresenta. Os factos demonstram claramente que João Lourenço não vai tolerar manifestações durante o ano de campanha eleitoral, não vai tolerar mesmo. Seria bom que houvesse uma convivência social, democrática e de Direito no país, onde todos os direitos fossem garantidos aos cidadãos.
DW África: Teme-se um cenário de violência pós-eleitoral?
AA: O que se verifica no terreno, em termos da moldura humana ao longo das campanhas, em termos do que aconteceu depois da decisão do Tribunal Constitucional contra Adalberto Costa Júnior, com o movimento social dos últimos dias, é que Adalberto acaba por ser o favorito para as eleições de 2022. Mas este sinal de João Lourenço demonstra claramente que depois das eleições, caso vença a oposição, o MPLA não estará convencido a deixar o poder. Se a oposição tentar fazer manifestações para reclamar o direito perdido, no caso de achar que podia ter vencido as eleições e perder, também acho que o Presidente João Lourenço não vai tolerar, porque está cada vez mais a armar a tropa do que a fornecer alimento à população.
DW África: Com o intensificar das tensões, acha que a população vai ter mais medo de sair à rua ou por outro lado, o aumento de violênncia por parte das autoridades aumenta também a sede da população de mostrar o seu descontentamento?
AA:Temos aqui dois pesos e duas medidas. Primeiro, o Governo está cada vez mais a preparar os seus meios para reprimir a população. Segundo, a consciência social, atualmente, é muito diferente daquela de 1992 e de 2017. Atualmente, a população tem maior visão, tem maior consciência dos seus direitos. Isto levanta um certo medo de que o povo não admita ser privado do direito à manifestação. Poderá querer desafiar o Governo de João Lourenço e o Governo também poderá querer desafiar a população com as suas medidas repressivas e criar situações graves de violação dos direitos humanos.
DW África: Qual o papel da comunidade internacional?
AA: Mesmo tendo havido indícios de fraude, a comunidade internacional sempre esteve ao lado das autoridades, dizendo "tudo está bom, as eleições foram livres e justas". Mas, neste momento, não se começou ainda o processo eleitoral, estamos em pré-campanha e já há mortes, já há intolerância política, já há detenções. Todos esses elementos fazem parte do processo. No futuro, ao fazer o balanço de todo o processo, é bom que a comunidade internacional tenha em conta estas questões que se vão somando para criar a intimidação da população no processo eleitoral. Precisamos que haja uma visão clara por parte da comunidade internacional em termos de olhar para os angolanos e ver como é que pode ajudar a mitigar este problema que Angola vive, porque está a tornar-se um problema endémico.