Eleições no Burundi: Entre o nacionalismo e o coronavírus
19 de maio de 2020Milhares de apoiantes do partido no poder, o CNDD-FDD, reúnem-se num evento eleitoral em Bujumbura, a maior cidade do Burundi. Gritam slogans do partido e agitam bandeiras com as cores vermelho, verde e branco. Também carregam cartazes com o retrato do candidato Evariste Ndayishimiye, escolhido pelo Presidente Pierre Nkurunziza como seu sucessor.
O atual Presidente do Burundi está a fazer tudo para levar o seu candidato ao cargo que agora ocupa. Ndayishimiye integrou as fileiras do antigo movimento rebelde CNDD-FDD e foi um leal ministro e conselheiro presidencial. Agora deve garantir que Nkurunziza permanecerá intocável e a influenciar, ainda que em segundo plano, a política burundiana.
A campanha eleitoral no país obedeceu a uma "coreografia já prevista", que nem uma pandemia poderia mudar, diz Stephanie Wolters, investigadora do Instituto Sul Africano de Assuntos Internacionais (SAIIA). "Nkurunziza continuará a ser muito influente, mas também há uma forte estrutura partidária dentro do CNDD-FDD, com historial militar", afirma.
O coronavírus afeta o Burundi?
Oficialmente, o Burundi tem sido pouco afetado pela Covid-19. O país registou menos de 30 infeções e apenas uma morte relacionada com o novo coronavírus. Mas praticamente não são feitos testes e as medidas de prevenção, como "distanciamento social", são supérfluas no contexto da campanha eleitoral, explica um porta-voz do Governo: "Os burundianos são um povo abençoado por Deus".
"O partido no poder CNDD-FDD faz uma campanha eleitoral nacionalista. A oposição é sistematicamente rotulada como antipatriótica. O CNDD-FDD tem certeza da sua vitória eleitoral", enfatizou a especialista em entrevista à DW.
De facto, "o Presidente autocrático Pierre Nkurunziza poderia facilmente ter declarado estado de emergência, adiado a ida às urnas e temporariamente continuado a governar. Mas com ou sem coronavírus, Nkurunziza queria executar seu plano".
Nas eleições desta quarta-feira (20.05), o Burundi deverá eleger um novo Parlamento, representantes locais e o Presidente.
Apesar de o Governo subestimar os riscos do coronavírus para a própria população, insiste em medidas cautelares duras quando os observadores estrangeiros entram no país: "O regime não os deseja. Eles devem ser colocados em quarentena e libertados apenas após a eleição", diz Wolter. "O Governo do Burundi ficou cada vez mais isolado nos últimos anos e não tolera críticas ou interferências externas." O percurso também deverá refletir-se nos resultados eleitorais.
Representantes da OMS expulsos do Burundi
Na fase final da campanha eleitoral, o Governo do país tomou outra decisão que poderá aumentar o sentimento nacionalista entre os populares. Na semana passada, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do país declarou o representante da Organização Mundial da Saúde (OMS), Walter Kazadi Mulombo, e três dos seus funcionários, como "pessoas indesejáveis". O Governo acusou os funcionários da OMS de "interferência inaceitável na gestão do coronavírus" e estes tiveram de sair do país.
O Burundi não deu qualquer explicação sobre a expulsão dos representantes da OMS, que lamentou a decisão tomada em plena pandemia. Onesphore Sematumba, da organização não-governamental International Crisis Group (ICG), diz que "existe um certo patriotismo burundiano que rejeita qualquer forma de interferência nos assuntos do país".
Pacifique Nininahazwe, presidente do Fórum para a Consciência e o Desenvolvimento (FOCODE), afirma que o Burundi está a gerir mal a pandemia e a usá-la para "a repressão de prováveis protestos que poderão ocorrer após a proclamação dos resultados eleitorais".
Crise desde 2015
O conflito com a comunidade internacional, porém, intensifica-se já desde 2015 e faz parte de uma estratégia para um certo isolamento desejado do país. Com isso, Nkurunziza e o seu partido mantêm o controlo total sobre a política, diz Sematumba.
Há cinco anos que o Burundi se encontra em estado de emergência. O Presidente Nkurunziza concorreu a um terceiro mandato eleitoral, numa prática até hoje considerada controversa. O apego de Nkurunziza ao poder causou protestos que deixaram pelo menos mil mortes, embora a oposição fale em 3.000.
Defensores dos direitos humanos preocupam-se com a ala jovem do partido no poder, o "Imbonerakure", considerado o braço do regime preparado para usar a violência. Segundo a ONU, eles são responsáveis por numerosos ataques a políticos da oposição e às suas famílias.
Na atual campanha eleitoral, o maior partido da oposição do Burundi, as Forças Nacionais de Libertação (FNL), é visto como sem possibilidades de vencer - embora o seu líder, Agathon Rwasa, tenha recentemente atraído uma multidão considerável de apoiantes nos seus comícios.
Rwasa é um dos sete candidatos presidenciais. Em entrevista à DW, fala de um clima de intolerância, ausência de cultura democrática e falta de independência do judiciário: "Os tribunais e os órgãos eleitorais no nosso país devem ser independentes e neutros para que as eleições sejam credíveis".
Campanha eleitoral livre
Para a especialista em África Oriental Stephanie Wolters, "não houve oportunidades iguais durante a campanha eleitoral no Burundi". Agathon Rwasa não conseguiu levar a cabo uma campanha livre, sem que os seus apoiantes tivessem sido assediados.
"O clima político que antecedeu as eleições foi repressivo", acrescenta. "O líder da oposição até poderia sair vitorioso se as eleições fossem livres e justas, mas isso não acontece há muito tempo no país."
A União Africana (UA) e as Nações Unidas respondem às denúncias de violência e intimidação no período pré-eleitoral. Estão preocupados e apelam a todos os atores para que criem um ambiente seguro e pacífico durante as eleições, evitando discursos de ódio e violência.
Uma nova era poderá começar com a saída de Nkurunziza? "Ndayishimiye é uma cara nova, mas também vem do núcleo da ordem militar, o CNDD-FDD, que se tornou cada vez mais poderosa nos últimos anos", lembra Wolters. A mudança no topo não significa automaticamente mais democracia para o Burundi. Muito menos o fim do medo e da violência.