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Eleições no Burundi: Entre o nacionalismo e o coronavírus

António Cascais | tm
19 de maio de 2020

Em plena pandemia de Covid-19, o Burundi elege esta quarta-feira (20.05) o seu novo Presidente. Segundo as previsões de especialistas, a eleição do candidato do partido no poder deverá ocorrer conforme planeado.

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Ex-general Evariste Ndayishimiye é o sucessor de Pierre Nkurunziza Foto: Getty Images/AFP/T. Nitanga

Milhares de apoiantes do partido no poder, o CNDD-FDD, reúnem-se num evento eleitoral em Bujumbura, a maior cidade do Burundi. Gritam slogans do partido e agitam bandeiras com as cores vermelho, verde e branco. Também carregam cartazes com o retrato do candidato Evariste Ndayishimiye, escolhido pelo Presidente Pierre Nkurunziza como seu sucessor.

O atual Presidente do Burundi está a fazer tudo para levar o seu candidato ao cargo que agora ocupa. Ndayishimiye integrou as fileiras do antigo movimento rebelde CNDD-FDD e foi um leal ministro e conselheiro presidencial. Agora deve garantir que Nkurunziza permanecerá intocável e a influenciar, ainda que em segundo plano, a política burundiana.

A campanha eleitoral no país obedeceu a uma "coreografia já prevista", que nem uma pandemia poderia mudar, diz Stephanie Wolters, investigadora do Instituto Sul Africano de Assuntos Internacionais (SAIIA). "Nkurunziza continuará a ser muito influente, mas também há uma forte estrutura partidária dentro do CNDD-FDD, com historial militar", afirma.

O coronavírus afeta o Burundi?

Oficialmente, o Burundi tem sido pouco afetado pela Covid-19. O país registou menos de 30 infeções e apenas uma morte relacionada com o novo coronavírus. Mas praticamente não são feitos testes e as medidas de prevenção, como "distanciamento social", são supérfluas no contexto da campanha eleitoral, explica um porta-voz do Governo: "Os burundianos são um povo abençoado por Deus".

"O partido no poder CNDD-FDD faz uma campanha eleitoral nacionalista. A oposição é sistematicamente rotulada como antipatriótica. O CNDD-FDD tem certeza da sua vitória eleitoral", enfatizou a especialista em entrevista à DW.

De facto, "o Presidente autocrático Pierre Nkurunziza poderia facilmente ter declarado estado de emergência, adiado a ida às  urnas e temporariamente continuado a governar. Mas com ou sem coronavírus, Nkurunziza queria executar seu plano".

Burundi | Wahlkampf | Wahlen
Campanha do CNDD-FDD em finais de abrilFoto: Getty Images/AFP/T. Nitanga

Nas eleições desta quarta-feira (20.05), o Burundi deverá eleger um novo Parlamento, representantes locais e o Presidente.

Apesar de o Governo subestimar os riscos do coronavírus para a própria população, insiste em medidas cautelares duras quando os observadores estrangeiros entram no país: "O regime não os deseja. Eles devem ser colocados em quarentena e libertados apenas após a eleição", diz Wolter. "O Governo do Burundi ficou cada vez mais isolado nos últimos anos e não tolera críticas ou interferências externas." O percurso também deverá refletir-se nos resultados eleitorais.

Representantes da OMS expulsos do Burundi

Na fase final da campanha eleitoral, o Governo do país tomou outra decisão que poderá aumentar o sentimento nacionalista entre os populares. Na semana passada, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do país declarou o representante da Organização Mundial da Saúde (OMS), Walter Kazadi Mulombo, e três dos seus funcionários, como "pessoas indesejáveis". O Governo acusou os funcionários da OMS de "interferência inaceitável na gestão do coronavírus" e estes tiveram de sair do país.

O Burundi não deu qualquer explicação sobre a expulsão dos representantes da OMS, que lamentou a decisão tomada em plena pandemia. Onesphore Sematumba, da organização não-governamental International Crisis Group (ICG), diz que "existe um certo patriotismo burundiano que rejeita qualquer forma de interferência nos assuntos do país".

Pacifique Nininahazwe, presidente do Fórum para a Consciência e o Desenvolvimento (FOCODE), afirma que o Burundi está a gerir mal a pandemia e a usá-la para "a repressão de prováveis protestos que poderão ocorrer após a proclamação dos resultados eleitorais".

Crise desde 2015

O conflito com a comunidade internacional, porém, intensifica-se já desde 2015 e faz parte de uma estratégia para um certo isolamento desejado do país. Com isso, Nkurunziza e o seu partido mantêm o controlo total sobre a política, diz Sematumba.

Há cinco anos que o Burundi se encontra em estado de emergência. O Presidente Nkurunziza concorreu a um terceiro mandato eleitoral, numa prática até hoje considerada controversa. O apego de Nkurunziza ao poder causou protestos que deixaram pelo menos mil mortes, embora a oposição fale em 3.000.

Defensores dos direitos humanos preocupam-se com a ala jovem do partido no poder, o "Imbonerakure", considerado o braço do regime preparado para usar a violência. Segundo a ONU, eles são responsáveis por numerosos ataques a políticos da oposição e às suas famílias.

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Barricadas em Bujumbura (2015): As últimas eleições presidenciais foram ensombradas pela violênciaFoto: picture-alliance/dpa/D. Kurokawa

Na atual campanha eleitoral, o maior partido da oposição do Burundi, as Forças Nacionais de Libertação (FNL), é visto como sem possibilidades de vencer - embora o seu líder, Agathon Rwasa, tenha recentemente atraído uma multidão considerável de apoiantes nos seus comícios.

Rwasa é um dos sete candidatos presidenciais. Em entrevista à DW, fala de um clima de intolerância, ausência de cultura democrática e falta de independência do judiciário: "Os tribunais e os órgãos eleitorais no nosso país devem ser independentes e neutros para que as eleições sejam credíveis".

Campanha eleitoral livre

Para a especialista em África Oriental Stephanie Wolters, "não houve oportunidades iguais durante a campanha eleitoral no Burundi". Agathon Rwasa não conseguiu levar a cabo uma campanha livre, sem que os seus apoiantes tivessem sido assediados.

Burundi | Agathon Rwasa
Candidato da oposição Agathon RwasaFoto: DW/A. Niyirora

"O clima político que antecedeu as eleições foi repressivo", acrescenta. "O líder da oposição até poderia sair vitorioso se as eleições fossem livres e justas, mas isso não acontece há muito tempo no país."

A União Africana (UA) e as Nações Unidas respondem às denúncias de violência e intimidação no período pré-eleitoral. Estão preocupados e apelam a todos os atores para que criem um ambiente seguro e pacífico durante as eleições, evitando discursos de ódio e violência.

Uma nova era poderá começar com a saída de Nkurunziza? "Ndayishimiye é uma cara nova, mas também vem do núcleo da ordem militar, o CNDD-FDD, que se tornou cada vez mais poderosa nos últimos anos", lembra Wolters. A mudança no topo não significa automaticamente mais democracia para o Burundi. Muito menos o fim do medo e da violência.