Jomav não quer ser líder partidário na Guiné-Bissau
19 de outubro de 2019José Mário Vaz afasta assim a hipótese de se candidatar à liderança do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que o apoiou na sua candidatura em 2014, mas com o qual está em guerra aberta.
O Presidente demitiu em 2015 o Governo chefiado por Domingos Simões Pereira, depois de o PAIGC ter conquistado a maioria absoluta um ano antes e desde então já recusou duas vezes o nome do líder do partido para o cargo de primeiro-ministro. "Nunca serei líder de nenhum partido político após a minha saída como Presidente da República, mas tudo o que eu puder fazer para o bem do meu país, para o bem do meu povo, não pouparei forças", disse em entrevista à agência Lusa em Lisboa.
Agradecido ao partido
Jomav, como é conhecido, refere que enquanto Presidente está "acima dos partidos políticos", mas diz que não é ingrato e que nunca vai esquecer que chegou a chefe de Estado "graças ao PAIGC".
Questionado sobre o isolamento político por também não ter sido apoiado pelo Partido da Renovação Social (PRS) nem pelo Movimento para a Alternância Democrática (Madem G15), José Mário Vaz considera isso não vai comprometer a sua reeleição, argumentando que a sua candidatura "está entregue ao povo". "Não estou preocupado com isso [...] Tenho confiança no meu povo", refere.
Em relação aos motivos da sua candidatura, José Mário Vaz reclama que conquistou no primeiro mandato "paz civil, tranquilidade interna e liberdade de expressão, de manifestação e de imprensa", mas admite que é preciso fazer mais pelo desenvolvimento económico e social do país. Destacando que foi o primeiro Presidente a terminar o mandato, diz que se orgulha porque "ninguém morreu, ninguém foi espancado", referindo-se ao histórico de conflitos e golpes de Estado na Guiné-Bissau, e que por isso foi "um Presidente diferente".
O candidato aponta entre as suas prioridades a educação, saúde e infraestruturas, e considera que a agricultura "é um setor nevrálgico" porque "80% da população guineense vive no campo" e esta pode ser uma área de oportunidades para os jovens. "Podemos tirar os jovens da cadeira para o mundo do trabalho, formá-los e prepará-los para se tornarem empresários agrícolas para o bem importante para nossa terra", propõe.
Alvo de vingança
Sobre se teme, caso não seja reeleito, vir a ser acusado formalmente num processo em que é suspeito do desvio de cerca de 12 milhões de dólares (10,78 milhões de euros) e pelo qual chegou a ser detido em 2013, José Mário Vaz diz que este é um caso "de vingança" e um "cavalo de batalha política", acrescentando que o valor que consta na acusação é o equivalente "a 600 mil euros".
"Esse dinheiro nem eu usei, nem o primeiro-ministro usou. O dinheiro foi usado nas despesas correntes do país naquele momento", afirmou, justificando que a vingança se deve à recusa em voltar a ocupar o cargo de ministro das Finanças e depois de primeiro-ministro após o golpe de Estado de 2012, que depôs o Governo liderado por Carlos Gomes Júnior, que integrava.
José Mário Vaz refere ainda que não fica preocupado se não for eleito Presidente porque tem o seu trabalho. "Eu antes de ser Presidente da República já era um empresário de sucesso", recordou, referindo que pode "até varrer a estrada".
Desvio de dinheiro para campanhas
O Presidente da Guiné-Bissau e recandidato nas eleições presidenciais de 24 de novembro - na qual concorrem 12 nomes - acusa o atual Governo de financiar campanhas eleitorais com dinheiro do Estado, questionando o destino de cerca de 16 milhões de euros em títulos do Tesouro.
"O Governo faz a emissão de títulos de Tesouro num montante aproximado de 20 mil milhões de francos CFA, significa 32 milhões de euros. Desses, 16 milhões já receberam na primeira tranche e eu pergunto: para onde levaram esse dinheiro, esse dinheiro é para quê?", questionou José Mário Vaz.
Referindo que o executivo "não paga salários a tempo e horas", o chefe de Estado manifesta também dúvidas sobre o destino das verbas que o Governo arrecada através da Direção-Geral das Alfândegas, da Direção-Geral de Contribuições e Impostos, dos fundos autónomos ou do apoio orçamental. E acusa: "O dinheiro que devia ser utilizado nas escolas, nos hospitais, nas infraestruturas, no saneamento básico, esse dinheiro está a ser desviado para o financiamento das campanhas".
Questionado sobre como vai financiar a sua campanha, uma vez que concorre como independente, José Mário Vaz refere que vai "pedir apoios", tal como fazem os outros candidatos, mas que será uma "campanha pobre", "sem opulência".
"Há candidaturas que têm muito dinheiro, muito dinheiro mesmo [...] mas ter dinheiro não significa ganhar as eleições, sobretudo quando o dinheiro é o dinheiro do tesouro público", referiu, manifestando a confiança de que "o povo irá castigar as pessoas que utilizam incorretamente os seus recursos".
Instado a comentar as acusações de Domingos Simões Pereira, candidato apoiado pelo PAIGC, de que faz entrar no país dinheiro de origem duvidosa, José Mário Vaz respondeu: "Dinheiro de origem duvidosa eu não conheço". E devolve as acusações, referindo que Domingos Simões Pereira paga, sobretudo a jovens, "para dizer mal do Presidente", "tanto em Portugal como na Guiné-Bissau". "Eu sou um empresário de sucesso, mas só tenho uma casa em Portugal e ele, num curto espaço de tempo, em seis ou oito meses, já tem muitas casas aqui em Portugal", continua.
Governos facilitaram tráfico de droga
O Presidente da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, responsabiliza "os últimos governos" do seu mandato pelo aumento do tráfico de droga, acusando-os de "prepararem todas as condições" para a entrada da droga no país. "Se repararem bem, quando é que o fenómeno da droga volta novamente a ganhar nome, dinâmica na Guiné-Bissau? Foram os últimos governos quase no fim do meu mandato", acusou o chefe de Estado.
Jomav não referiu nomes, mas os dois últimos governos do seu mandato foram chefiados por Aristides Gomes, do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
"Eu só estou a dizer que existem essas figuras bem envolvidas nisto, que prepararam todas as condições para a entrada de droga na Guiné-Bissau, mas garanto-lhe que a comunidade internacional está a acompanhar e sabe exatamente quem são", asseverou.
Referindo que vai usar "todos os poderes" para localizar e levar os responsáveis à Justiça, José Mário Vaz considera ainda que se o Presidente e chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas não estiverem envolvidos no tráfico de droga, o combate a este crime "torna-se fácil".
As autoridades guineenses fizeram em 02 de setembro último a maior apreensão de droga da história do país - quase 2.000 quilos de cocaína -, na chamada Operação Navarra, e em 09 de março, na véspera das eleições legislativas, apreenderam quase 800 quilos.
Forças Armadas deram "lição" aos políticos
O Presidente da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, disse ainda que tem "muito orgulho" nas Forças Armadas da Guiné-Bissau porque estão a "dar uma lição" aos políticos, mantendo-se afastadas das querelas entre os partidos. "Estão-nos a dar lição a nós, os políticos", comentou o chefe de Estado, acrescentando que as Forças Armadas estão a "defender a integridade territorial", que é a sua "missão clara, consagrada na Constituição", com "muito profissionalismo". O Presidente diz, por isso, que as Forças Armadas guineenses "são um grande orgulho" porque estão a afastar-se de "querelas a nível político".
A história recente da Guiné-Bissau tem sido marcada por constantes golpes de Estado e instabilidade política.
Guiné-Bissau e Angola "juntos" no combate à corrupção
O Presidente guineense, José Mário Vaz, elogiou também o seu homólogo angolano, João Lourenço, pelo combate contra a corrupção, referindo que os dois países "estão juntos" nessa luta. "É uma coisa que me é comum com o Presidente João Lourenço, que [...] está num combate sério à corrupção. Eu estou mais do que num combate feroz contra a corrupção", opinou José Mário Vaz.
Referindo que na Guiné-Bissau se diz "dinheiro do Estado no cofre do Estado" em vez de corrupção, o Presidente admite que se trata de "uma luta bastante difícil", mas que "vale a pena esse combate". "Quando olharmos para trás, vamos dizer que valeu a pena a nossa passagem nesta cadeira porque a nossa passagem permitiu o desenvolvimento do país e permitiu o bem-estar do nosso povo", referiu.
Questionado sobre as relações com Angola, José Mário Vaz diz que se trata de "um país irmão" e que "por isso não há razão nenhuma para que não haja boas relações".