Gilles Cistac foi assassinado há um ano
3 de março de 2016
Um ano após o assassínio do constitucionalista franco-moçambicano Gilles Cistac, a 03 de março de 2015, as autoridades moçambicanas ainda não detiveram ninguém relacionado com o caso, segundo o porta-voz da polícia, Inácio Dina.
"Houve pessoas intimadas a prestar depoimentos, algumas por terem testemunhado o crime e outras por suspeitas do seu envolvimento, mas depois soltas", disse o porta-voz do Comando Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), falando na conferência de imprensa semanal da corporação, citado esta quinta-feira (03.03.) pela imprensa.
Inácio Dina acrescentou que a polícia continua a investigar o caso e a falta de resultados não pode ser encarada como um arquivamento do processo.
"É preciso que a sociedade perceba que as autoridades estão a seguir as pistas que existem neste caso. E quando o tempo passa sem apresentarmos resultados que o povo quer ver, isso não significa que o caso está esquecido", afirmou Dina.
Gilles Cistac, que vivia em Moçambique desde 1993, foi morto a tiro por desconhecidos à saída de um café no centro da capital.Nos últimos anos da sua vida, o constitucionalista franco-moçambicano notabilizou-se por defender teses embaraçosas para a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido no poder, a última das quais dando argumentos jurídicos à exigência da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), principal força de oposição, de criação de províncias autónomas.
Vendaval jurídico e político
Pouco antes da sua morte, Cistac, provocou um vendaval jurídico e político, quando afirmou que a exigência da RENAMO de criação de regiões autónomas, para poder governar nas províncias onde ganhou nas eleições gerais de 15 de outubro de 2014, teria cobertura constitucional, se o movimento substituísse a exigência de "regiões autónomas" por "províncias autónomas".
Na opinião do constitucionalista, ao prever a possibilidade de criação de escalões municipais acima das cidades, a Constituição da República de Moçambique prevê a hipótese de as províncias poderem ter o estatuto de município, o que coincide com uma província autónoma. Atento a este pensamento jurídico, o líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, passou a exigir a criação de províncias autónomas, abandonando a referência a regiões autónomas.
Em 2012, o Governo moçambicano recusou o nome de Gilles Cistac, proposto pela sociedade civil, para juiz do Tribunal Africano dos Direitos Humanos, tendo apresentado em seu lugar um procurador-geral-adjunto que não preenchia todos os requisitos para o cargo.
PR moçambicano nomeou novo comandante-geral da polícia
O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, nomeou Júlio dos Santos Jane para o cargo de comandante-geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), em substituição de Jorge Khalau, exonerado na quarta-feira (02.03.), indicou um comunicado da Presidência da República.Esta decisão surge poucos dias depois de Filipe Nyusi ter defendido a necessidade de elevar a capacidade das forças de defesa e segurança.
"Só homens devidamente formados, especializados e munidos de valores patrióticos, éticos e deontológicos e profissionais é que podem dar o melhor de si em prol de um futuro melhor para todos", declarou o Presidente da República numa cerimónia de graduação da Academia de Ciências policiais (Acipol).
Na terça-feira (01.03.), na abertura judicial, Filipe Nyusi voltou a referir-se à polícia ao defender a urgência na restruturação da Polícia de Investigação Criminal (PIC), que se encontra sob a tutela da PRM.
"O Governo, o setor da justiça e a Assembleia da República devem juntar-se na busca de uma solução para a PIC. A lei passa por todos esses, daí que devem acelerar o processo", declarou o chefe de Estado, que, no mesmo dia, reconheceu haver indícios da presença de redes de crime organizado e transnacional em Moçambique.As vagas de raptos que atingiram Maputo desde 2011, com envolvimento de agentes policiais e crimes mediáticos ainda por solucionar, como o homicídio em 2015 do constitucionalista franco-moçambicano Gilles Cistac, também contribuíram para a deterioração da imagem da polícia, além da corrupção, envolvendo coação frequente sobre automobilistas e relatos de aluguer de armas para a prática de crimes.
“Um dos elos mais fracos do Estado moçambicano”
Na abertura do ano judicial de 2015, o bastonário da Ordem dos Advogados alertou que a situação da polícia constituía "um dos elos mais fracos" do Estado moçambicano.
"A polícia não existe para mostrar serviço, existe para servir-nos. Vemos a polícia deter cidadãos sem qualquer tipo de prova, vemos detidos com sinais claros de violência, fora de flagrante delito a polícia continua a deter sem qualquer mandato", afirmou Tomás Timbane, num contundente discurso.
"Se não queremos que a alternativa ao Estado de Direito impere, isto é, que a arbitrariedade reine, precisamos de reformar urgentemente a polícia", apelou Timbane.Mais recentemente, a polícia voltou a estar no centro das atenções na escalada de violência política em Moçambique, com a oposição da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) a denunciar alegadas tentativas das forças de defesa e segurança para eliminar o seu líder, Afonso Dhlakama, em setembro e outubro de 2015, e do seu secretário-geral, Manuel Bissopo, em janeiro passado.
A polícia rejeitou em todas as ocasiões estas alegações, mas também estes casos continuam por esclarecer.