Irregularidades nas autárquicas: "O Estado está encurralado"
22 de novembro de 2023A ministra moçambicana dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Verónica Macamo, convocou as missões diplomáticas representadas em Moçambique para uma reunião sobre as eleições autárquicas.
A decisão foi criticada pela oposição. O cabeça de lista da RENAMO na cidade de Maputo, Venâncio Mondlane, disse que o partido no governo "não tem chão, a FRELIMO está totalmente descalça".
Oposição, sociedade civil e observadores contestam os resultados das eleições autárquicas anunciados pela Comissão Nacional de Eleições. E algumas representações diplomáticas acreditadas em Maputo vieram a público pedir explicações legais sobre as irregularidades registadas.
Face a estes posicionamentos, o analista de política internacional Fredson Guilengue diz em entrevista à DW que "o Estado moçambicano se sente encurralado por estas pressões e deve estar interessado em pedir um pouco de paciência às instituições" internacionais, enquanto se aguarda pela validação dos resultados pelo Conselho Constitucional.
No entanto, Guilengue advoga que há uma certa "precipitação do Governo" ao chamar as missões diplomáticas, tendo em conta que os resultados ainda não foram validados.
DW África: O que pode justificar esta reunião?
Fredson Guilengue (FG): Creio que esta medida resulta da pressão interna para reparar as irregularidades das eleições autárquicas. É uma pressão que está a ser feita não só pelo maior partido da oposição, a RENAMO, como também por outros segmentos da sociedade civil moçambicana e alguns setores diplomáticos em Moçambique, principalmente dos EUA, altamente relevantes do ponto de vista económico.
É esta pressão que pode estar a empurrar o Estado moçambicano a tentar alinhar a sua narrativa sobre o que aconteceu. Recordemos o recente embaraço com o Presidente da República, Filipe Nyusi, [durante uma conferência em Maputo sobre Moçambique no] Conselho de Segurança das Nações Unidas.
DW África: Refere-se à situação em que Saimone Macuiana (RENAMO) pôs em causa a reconciliação nacional e falou de forma muito incisiva sobre as irregularidades registadas nas eleições autárquicas?
FG: Exatamente. Aquilo criou um grande embaraço ao chefe de Estado moçambicano e ao Governo em geral. Por isso, é preciso fazer alguma coisa para limpar a imagem do país.
DW África: Mas acha razoável que o Governo dê explicações à comunidade internacional sobre o que aconteceu nas eleições autárquicas quando ainda não houve uma voz oficial a pronunciar-se sobre as irregularidades verificadas?
FG: Há duas respostas para essa questão. Por um lado, pode encarar-se a pressão da comunidade internacional como demasiada interferência nos assuntos internos de Moçambique, uma vez que ainda não houve a validação final dos resultados pelo Conselho Constitucional. Por outro lado, pode dizer-se que essas pressões acontecem porque ninguém acredita na independência das instituições de justiça em Moçambique, incluindo as instituições de justiça eleitoral.
Sendo assim, podemos estar numa situação em que o Estado moçambicano se sente encurralado por estas pressões e está interessado em pedir um pouco de paciência a essas instituições, até que haja uma decisão do Conselho Constitucional. Ainda assim, pode ser uma pequena precipitação do ponto de vista institucional, porque – quer concordemos ou não com estes resultados – esses resultados ainda não foram validados pela última instância.
DW África: Estaremos perante uma situação em que o próprio Estado moçambicano foi apanhado em contramão no uso da diplomacia para tentar fazer pressão sobre as irregularidades nas eleições autárquicas?
FG: Eu penso que o partido FRELIMO não esperava que a reação da RENAMO, da sociedade civil e dos moçambicanos em geral atingisse a dimensão que atingiu. O Governo acreditava que uma RENAMO desmilitarizada era uma RENAMO fraca, com o seu poder e a sua capacidade de reclamação diminuídos. Mas o que aconteceu foi exatamente o oposto.