Novos ataques em Cabo Delgado são "pré-aviso" ao Governo
1 de março de 2021Um grupo armado invadiu e matou residentes da aldeia costeira de Quirinde, norte de Moçambique, na noite de sexta-feira (26.02), afirmam várias fontes locais. Seguiu-se outro ataque, durante a noite deste sábado, na mesma zona, contra o posto fronteiriço de Namoto entre Moçambique e a Tanzânia, junto ao rio Rovuma, acrescentaram, sem outros dados disponíveis.
Com as duas incursões contra Quirinde e Namoto, este passou a ser o segundo fim-de-semana consecutivo de ataques na área do posto administrativo de Quionga, zona costeira onde até agora não havia registo de incursões dos grupos armados que há três anos aterrorizam Cabo Delgado.
Quionga tem acesso por mar e por uma estrada em terra batida, situando-se 20 quilómetros a norte de Palma, vila e sede de distrito que acolhe o megaprojeto de exploração de gás natural do Rovuma, maior investimento privado de África.
Ouvido pela DW África, Alberto Ferreira, deputado da RENAMO, maior partido da oposição moçambicana, diz que a situação é grave e que os megaprojetos estão "muito ameaçados", condenando a atuação do Governo, que acusa de agir sem o aval do Parlamento, nomeadamente, na contratação de mercenários sul-africanos para combater os terroristas.
O também académico e docente da Universidade Eduardo Mondlane, especialista em Relações Internacionais e Ciências Políticas, levanta mesmo a hipótese de "dirigentes do Governo" estarem envolvidos no conflito para "ganhos pessoais".
DW África: O que está a contecer em Cabo Delgado é grave? O Estado moçambicano arrisca-se a perder o controlo da situação? Soube-se hoje que os terroristas isolaram o distrito de Palma e que a população se queixa de fome...
Alberto Ferreira (AF): O que está a acontecer em Cabo Delgado é grave, porque todos os empreendimentos e projetos de mega-empresas multinacionais que têm interesses na exploração do gás encontram-se já em dificuldades para poderem começar os seus trabalhos.
DW África: São os interesses do gás que estão por trás deste conflito?
AF: Fala-se e sabe-se que são 'jihadistas', o Estado Islâmico, que têm algum interesse em implementar o 'jihadismo' através do terror e da guerra. Agora, há uma questão muito clara para muitos moçambicanos: o gás começa a interessar primeiro à elite moçambicana e este facto deixa pouco a duvidar de que entre os primeiros interessados na guerra podem estar os dirigentes do Governo que, através da guerra, podem ter ganhos pessoais. Já há conflitos de interesse entre os membros do Governo sobre quem pode fornecer os serviços às empresas.
DW África: Considera que o projeto de Gás Natural Liquefeito - LNG, no Rovuma, está ameaçado?
AF: Os projetos estão, sinceramente, muito ameaçados. Este é um pré-aviso para que o Estado moçambicano, particularmente o Governo, assuma e reflita efetivamente sobre estratégias para combater o terrorismo em Moçambique.
DW África: Porque é que o Governo aposta em mercenários estrangeiros em detrimento do apoio oficial de países vizinhos e europeus?
AF: Moçambique teve muitas propostas de Estados consistentes, de Estados sérios, para ajudar. Estamos a falar de França, de Portugal - que enviou o ministro dos Negócios Estrangeiros para Moçambique abrir as mãos e ser apoiado do ponto de vista logístico, inclusive para preparar os soldados moçambicanos para enfrentarem a guerra. O que acontece é que Moçambique vai preferir os mercenários sul-africanos. E nenhum país já se salvou dos mercenários.
DW África: O Governo moçambicano tem cooperado com a oposição e a sociedade civil na resolução deste conflito?
AF: O Governo não foi autorizado nem pelo Parlamento. Devia ser o Parlamento a permitir esta guerra, a dizer que nós vamos contratar mercenários. Nada disto está a ser feito.
DW África: A questão já chegou ao Parlamento alemão. O grupo parlamentar do partido Os Verdes, na oposição, questionou o Governo alemão, acusando-o e à União Europeia de inação, não intervindo diplomaticamente junto do Governo de Moçambique no sentido de encontrar uma solução. Como é que acha que os países europeus deveriam agir?
AF: A Alemanha é sempre o líder dentro da Europa e, hoje, distancia-se e não se pronuncia efetivamente. Temos Portugal e França que se pronunciaram e a Alemanha ainda não. Fico contente por saber que Os Verdes questionaram esta inação.