Crise nos Camarões: Mediação da Igreja?
8 de maio de 2018Agbor Gilbert Ebot dormiu apenas duas horas. Está completamente exausto. No entanto, às 6h00 da manhã, o organizador do Festival Internacional de Cinema dos Camarões já está acordado e sob chuva torrencial dirige-se à esquadra de Buea - uma das principais cidades anglófonas do país.
Três participantes de uma oficina de teatro realizada no dia anterior tiveram que passar a noite aqui, porque se esqueceram dos seus cartões de identificação.
"Mesmo que vás à casa de banho, ou passes da sala para a cozinha, tens de ter o teu cartão de identificação contigo", diz Ebot. "Se não o tiveres, as forças de segurança levam isso a sério: e és detido".
Ebot negoceia com os agentes da polícia e, algumas horas depois, os estudantes de teatro estão novamente em liberdade.
"Faz-se muito dinheiro durante a crise"
Quase toda a gente em Buea tem uma história destas para contar. Desde que o conflito se intensificou na região anglófona dos Camarões, as forças de segurança estão em todo o lado.
À noite, camiões cheios de soldados fortemente armados patrulham a cidade. É um Estado militar, diz um jornalista local que pede o anonimato, temendo represálias. Os habitantes estão constantemente a ser detidos sob suspeita de serem combatentes separatistas. E não chegam a ir a julgamento. Só com subornos, diz o jornalista, podem sair em liberdade. "Faz-se muito dinheiro durante a crise", conclui.
O passado colonial ainda é uma fonte de tensões. Nos anos 1960, os Camarões tornaram-se independentes - e a antiga zona de língua francesa uniu-se à região anglófona.
Existem agora duas línguas oficiais, dois sistemas educacionais, dois sistemas legais. Mas, na realidade, há anos que a minoria no sudoeste anglófono dos Camarões se sente oprimida e desfavorecida.
Em outubro de 2016, advogados da região saem à rua em defesa dos seus direitos. Em novembro, os professores entram em greve. E as manifestações multiplicam-se.
O Governo ignora as exigências e responde com repressão. Vários manifestantes são mortos e a internet é bloqueada durante três meses. As greves paralisam o sistema escolar. Quase todas as semanas organizam-se os dias da Cidade Fantasma: empresas e estabelecimentos comerciais fecham as portas em protesto.
Presidente declara guerra aos separatistas
Em resposta à crise, o Presidente dos Camarões, Paul Byia, no poder há mais de 35 anos, cria uma Comissão Nacional para a Promoção do Bilinguismo e Multiculturalismo. Uma medida insuficiente aos olhos dos anglófonos.
No final de 2017, os protestos voltam às ruas. A repressão policial faz pelo menos 40 vítimas mortais. E as manifestações radicalizam-se: formam-se vários grupos separatistas que matam agentes e funcionários do Governo, acusados de serem espiões. O Presidente declara guerra aos separatistas.
A tensão é elevada. Já morreram mais de 100 civis e 40 membros das forças de segurança. O International Crisis Group pede à Igreja Católica para mediar a crise.
"Eu concordo, mas, nas circunstâncias atuais, isso é muito difícil", diz Emmanuel Busho, bispo de Buea. "A mais alta autoridade do país não está pronta para o diálogo. Está a tentar estabelecer condições. Mas acreditamos que o diálogo verdadeiro só pode ser feito em pé de igualdade. Se colocas condições, não pode haver diálogo diálogo".
Igreja dividida
O Governo recusa-se a falar com os grupos separatistas. E rejeitou os vários pedidos de entrevista da DW sobre o assunto.
No final de 2016, os bispos católicos escreveram uma carta ao Presidente sobre as preocupações da minoria anglófona. O Executivo acusou os bispos de acirrarem o conflito. Mas há divisões mesmo no seio da igreja católica, com divergências entre os bispos francófonos e anglófonos. "Confiamos na parte inglesa da Igreja, mas não nos franceses", diz um ativista que apoia os separatistas e que pede o anonimato. Os bispos francófonos são considerados mais próximos do Governo. "Desde o início da crise, todos escolheram um lado".
A mediação da Igreja depende do acordo entre os bispos. Se não conseguirem ultrapassar as divergências, o conflito poderá agravar-se. À DW, os separatistas garantem que vão fazer os possíveis para impedir a realização das eleições presidenciais previstas para outubro – para obrigar o Governo a ir à mesa de negociações.