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Reforma agrária com muitas incógnitas na África do Sul

Martina Schwikowski
12 de outubro de 2018

Vinte e quatro anos após o fim do apartheid, pouco mudou na distribuição desigual da terra na África do Sul. O Governo pondera uma alteração constitucional - negligenciando questões mais importantes, dizem especialistas.

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Südafrika Little Barnet Farm
Foto: DW/T. Andrews

O rei Goodwill Zwelithini propôs um acordo invulgar na África do Sul: o líder tradicional dos zulus pediu aos agricultores brancos que ajudem a transformar as terras dos seus antepassados em terrenos agrícolas.

Zwelithini possui quase três milhões de hectares de terras na província de KwaZulu-Natal – o que corresponde aproximadamente à área da Bélgica. A proposta do rei envia um sinal importante ao Congresso Nacional Africano, o partido no poder, que pretende redistribuir terrenos por proprietários negros.

"Não toquem na minha terra" – é esta a mensagem de Zwelithini. Num discurso em Durban, pediu uma declaração por escrito ao Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, comprometendo-se a não redistribuir as terras do rei zulu. Outros líderes tradicionais exortam o ANC a não minar a sua autoridade. Juntamente com Zwelithini, controlam 13% da terra na África do Sul.

Pela primeira vez, o ANC planeia expropriar terras sem indemnizar os proprietários. Uma comissão parlamentar, que deve analisar se é necessária uma alteração constitucional, adiou a publicação do seu relatório de setembro para novembro, devido ao elevado número de contributos da população.

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O rei Goodwill Zwelithini, também conhecido pelos seus seguidores como "UNyazi".Foto: Getty Images/AFP/R. Jantilal

Grande procura nas metrópoles

Segundo Cyril Ramaphosa, as terras que não estão a ser exploradas, em particular, devem ser expropriadas. Para os líderes tradicionais como Zwelithini, perimitir que as suas terras paradas sejam exploradas por agricultores brancos pode ser uma forma de evitar a expropriação. Kalle Kriel, líder da organização conservadora de agricultores brancos AfriForum, aceitou a oferta do rei.

"O rei Zwelithini e Kalle Kriel são um par estranho", diz o analista Anton van Dalsen, membro da Fundação Helen Suzman, na África do Sul. "Com este contrato, combinam conveniências, porque defendem os seus próprios interesses como uma minoria – nomeadamente, para manterem as suas terras", explica van Dalsen, em entrevista à DW.

Segundo o especialista, a questão essencial não é a dos terrenos agrícolas, mas sim a das áreas urbanas em torno das grandes cidades: "Cada vez mais pessoas vão para as cidades, em busca de emprego. Mas não conseguem suportar os custos da habitação. O Governo conhece a situação destas pessoas e os bairros de lata aumentam há anos". A taxa de desemprego chega a atingir os 40%.

"A questão da terra não é apenas uma questão de corrigir a injustiça histórica da expropriação de terras aos sul-africanos negros. A reforma é necessária para reduzir as desigualdades sociais", considera Anton van Dalsen.

Falta de clareza

Reforma agrária com muitas incógnitas na África do Sul

A alteração constitucional, que está a ser debatida há vários meses, não é essencial para o início da reforma agrária, afirma van Dalsen. É apenas uma desculpa para a passividade dos políticos. Nos últimos vinte anos, quase nada aconteceu - em parte, porque o Governo destinou apenas 0,3% do seu orçamento para a reforma agrária.

"A corrupção e a falta de políticas também impediram uma real reforma agrária", sublinha van Dalsen. Para o especialista, a falta de clareza é o grande problema do debate actual. O Governo tem de decidir que terras, ao certo, estão em causa, quem beneficia da redistribuição, se haverá apoios após o reassentamento e que direitos legais têm as pessoas que vivem nestas terras.

Ben Cousins, especialista em estudos da terra na Universidade do Cabo Ocidental, também aponta a falta de transparência nos planos do Governo. "Antes da sua eleição como líder do ANC, em dezembro, Ramaphosa tinha rejeitado uma reforma agrária radical, sem indemnizações. Foi forçado pelo partido a votar a favor no congresso de dezembro, principalmente sob pressão da facção do então Presidente Jacob Zuma", diz o analista.

De olhos postos nas eleições

Em 2019, têm lugar eleições legislativas na África do Sul. Com a promessa da reforma agrária, o Presidente Cyril Ramaphosa posiciona-se contra os Combatentes da Liberdade Económica de Julius Malema, na oposição, que exigem a expropriação radical das terras dos agricultores brancos.

Se for necessária uma alteração constitucional para a reforma agrária, isto só será possível se o ANC e os Combatentes pela Liberdade Económica (EFF, na sigla em inglês) chegarem a acordo para obter a maioria de dois terços exigida – uma cooperação altamente improvável, diz Cousins. A reforma agrária não deverá ter início antes das eleições.

Ainda assim, o debate sobre a reforma agrária na África do Sul já está a dar frutos, diz o especialista: "Inicialmente, a classe média e o sector privado estavam muito preocupados, mas agora estão a ver progressos. E a reação dos agricultores brancos diz-nos que eles estão interessados em encontrar uma solução social conjunta. Sentem-se envolvidos no processo, após as conversações com o Presidente".