Dora Schindel ajudou vítimas do nazismo a fugir para Brasil
28 de dezembro de 2007Quem visita Dora Schindel, no bairro de Dottendorf, em Bonn, tem um encontro marcado com a história extra-oficial das relações teuto-brasileiras. A co-fundadora da Sociedade Brasil-Alemanha (DBG) é uma espécie de memória viva de contatos à margem do tapete vermelho entre os dois países.
Isso já começa pela sua biografia. Nascida em 16 de novembro de 1915 em Munique, dona Dorli – como é conhecida na DBG – emigrou duas vezes da Alemanha para escapar da perseguição nazista aos judeus.
Na primeira vez, em 1938, foi para Zurique (Suíça), onde estudou Ciências Químicas e Matemática, ao mesmo tempo em que foi aluna ouvinte de cursos de Arte e Literatura.
Durante um passeio a Salzburgo, na Áustria, conheceu seu futuro parceiro, o professor Hermann Görgen, com quem organizaria, nos anos de 1940-1941, a fuga de 48 perseguidos do regime nazista para o Brasil.
"A lista de Schindel"
Estima-se que de 1933 a 1942 entre 16 mil e 19 mil refugiados de língua alemã tenham emigrado para o Brasil. Apesar da rigorosa lei de imigração e da legislação anti-semita do governo de Getúlio Vargas, também muitos judeus conseguiram entrar no país usando passaportes falsos.
No "grupo Görgen" ou na "lista de [Dora] Schindel" havia judeus, mas também integrantes "arianos" da resistência política e religiosa da Alemanha (entre eles, o ex-governador do Sarre, Johannes Hoffmann), da Áustria "anexada" e da República Tcheca.
A fuga do grupo através da Suíça, segundo explica dona Dorli, foi viabilizada com a ajuda do Comitê de Ajuda aos Intelectuais Refugiados e do enviado brasileiro junto à Liga das Nações, César Weguelin de Vieira, em Genebra.
Para obter os vistos para os perseguidos, Görgen e Schindel se comprometeram a construir uma indústria metalúrgica em Juiz de Fora (MG) – que se chamaria Indústrias Técnicas Ltda, onde dona Dorli assumiria a administração.
"Estávamos todos felizes por termos escapado com vida e gratos ao Brasil, que nos acolheu e nos deu permissão para trabalhar e a possibilidade de continuarmos vivendo", conta.
Saudades do Brasil grande
Em 1955, ela voltou à Suíça e, dois anos mais tarde, se transferiu para Bonn, onde Görgen já integrava o Parlamento alemão como deputado da União Democrata Cristã (CDU). "Senti saudades da imensidão do Brasil e da alegria de seu povo", lembra.
Em 1960, Görgen e Schindel fundaram a Sociedade Brasil-Alemanha, em cujo escritório dona Dorli trabalha até hoje, voluntariamente, como integrante honorária da diretoria.
"Criamos a DBG por dois motivos: primeiro, em gratidão pelo fato de o Brasil ter salvado nossas vidas; segundo, para acabar com preconceitos que existem nos dois países. No Brasil, se pensa que todos os alemães são nazistas; na Alemanha, se pensa que o Brasil é só samba e favela e que sequer tem uma cultura própria", relata.
Coração 50% brasileiro
Hermann Görgen faleceu em 1994. Em sua biografia, ele conta que o Brasil poderia ter ajudado a salvar mais judeus, se diplomatas brasileiros em Hamburgo e Berlim não tivessem "frustrado" em grande parte um acordo assinado entre o Vaticano e o governo Vargas, em 1939, que previa a concessão de 3 mil vistos de permanência no Brasil para "não-arianos católicos". Dos 3 mil vistos só cerca de mil foram expedidos, relata.
Isso, porém, não é motivo para dona Dorli, filha de judeus muniquenses, guardar qualquer rancor em relação ao Brasil. Seu conselho para os jovens é: "Manter-se vigilante, abrir a boca e diferenciar entre o povo e os seus governantes".
Dona Dorli afirma que aprendeu com os brasileiros a "encarar a vida positivamente. Provavelmente, eu seria muito triste, se não tivesse um contato tão intenso com os brasileiros. Meu coração pertence pelo menos 50% ao Brasil. Em toda a minha vida vou permanecer grata a esse país que é um presente de Deus. Deus é brasileiro, sim".