Europa em compasso de espera após "não" da França
30 de maio de 2005O veto dos franceses à nova Constituição da União Européia, no plebiscito de domingo (29/05), não significa o fim do processo de unificação da comunidade. Pelo menos é isso que tentam enfatizar as autoridades da UE e os políticos alemães.
O presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso, lamentou "a recusa de um país que foi um dos motores da idéia européia durante mais de 50 anos". O premiê de Luxemburgo e presidente do Conselho Europeu, Jean Claude Juncker, fez questão de ressaltar que isso não representa o fracasso do projeto constitucional da UE e anunciou que o processo de ratificação continua, conforme planejado.
Processo de ratificação continua
Afinal, nove países – inclusive a Alemanha – já oficializaram a adesão à Constituição européia e o prazo geral de ratificação só expira em novembro de 2006. Só então, ponderou Juncker, a comunidade precisará reavaliar a situação em um encontro de cúpula.
"Diante da continuidade do processo de ratificação e da conclusão de que não poderá haver uma renegociação, a minha esperança é que a França se envolva no debate junto com os demais países, a fim de reforçar os pontos em comum que estimulam a Europa", declarou Juncker.
O chanceler federal alemão, Gerhard Schröder, e o ministro do Exterior, Joschka Fischer, lamentaram o "não" dos franceses à Constituição européia, mas mostraram respeito à decisão democrática. "O resultado do plebiscito não representa o fim do processo constitucional, nem o fim da parceria franco-alemã na e pela Europa", declarou Schröder.
O premiê alemão não se pronunciou sobre possíveis razões do "não" francês, pois considera o encontro de cúpula da UE em meados de junho o momento adequado para discutir a questão.
Entre soberania nacional e democracia de base
Para o comissário europeu da Indústria, o social-democrata alemão Günter Verheugen, após o término do processo de ratificação, os países contrários à Constituição européia deveriam sugerir possíveis soluções ao impasse. Para Verheugen, o importante é respeitar a soberania nacional e as decisões democráticas dos países da comunidade, em vez de tentar impor de fora como eles devem se comportar.
O deputado Reinhard Bütikofer, um dos presidentes do Partido Verde alemão, sugeriu que seja realizado um plebiscito geral sobre a Constituição européia. Isso poderia evitar a influência de questões políticas internas dos países-membros sobre o processo de unificação da Europa. "Seria uma boa idéia realizar um plebiscito geral concomitante em todos os países europeus, a fim de que a questão a ser votada seja realmente a Europa", comentou Bütikofer.
O "'não' dos gauleses" na imprensa européia
Os jornais europeus deram diferentes enfoques à rejeição da Constituição européia na França. Para o diário parisiense Libération, o voto popular desmascarou a União Européia como um quartel-general do ultraliberalismo e a falta de prestígio de uma classe de políticos franceses acostumados a enterrar a cabeça como avestruzes.
O diário conservador francês Le Figaro também anunciou o fim da era Chirac e perguntou até quando a França poderá se opor aos avanços do mundo industrializado e continuar defendendo um modelo social incapaz de questionar seus próprios privilégios.
O diário britânico conservador The Times interpretou o "não" dos franceses como uma reação ao pretenso fracasso da união monetária da UE, que "até agora só ocasionou um desenvolvimento econômico lamentável, desemprego em massa, o refortalecimento do protecionismo e uma atmosfera propícia para extremistas".
O jornal liberal de esquerda The Independent, também de Londres, considera uma ironia o fato de serem justamente os franceses, os principais mentores do processo de unificação européia, a vetar a Constituição comum.
O jornal suíço Neue Zürcher Zeitung ironiza o resultado do plebiscito como "revolta na aldeia dos gauleses" e prevê uma ampla discussão européia sobre o sentido dos plebiscitos. O La Repubblica, de Roma, considera a crise desencadeada pelo veto francês a mais grave em aproximadamente 50 anos de União Européia.
Para o Tagesspiegel, de Berlim, o diagnóstico realista após o "fiasco do referendo" na França é: "A Constituição européia está morta. (...) Respeitar o voto dos franceses só pode significar o fim do processo de ratificação e declarar a morte da Constituição. Continuar a ratificação só fortaleceria o sentimento de impotência diante de um projeto, o que contribuiu para o clima antieuropeu na França".