Países africanos rejeitam o "diesel sujo" da Europa
29 de abril de 2017Os governos da África Ocidental estão tomando medidas para impedir a importação de combustível com níveis perigosamente altos de enxofre e outras toxinas. Grande parte do chamado "diesel sujo" tem origem na Europa, de acordo com um relatório publicado pela Public Eye, uma ONG suíça, no ano passado.
O relatório expôs o que Public Eye chama o "negócio ilegítimo" das empresas petrolíferas europeias e dos comerciantes de commodities que vendem combustível de baixa qualidade para a África. Enquanto as normas europeias proíbem o uso de diesel com teor de enxofre superior a 10 partes por milhão (ppm), o diesel com até 3.000 ppm é exportado regularmente para a África.
A partir de 1 de julho, o diesel vendido nas bombas no Gana e na Nigéria terá que atender a um padrão de 50 ppm.
"Estamos muito felizes em ver essa mudança na política", disse Oliver Classen, da Public Eye, à DW. "Ainda estamos esperando que outros países da África Ocidental façam o mesmo, como Costa do Marfim, Benin, Togo ou Mali".
Riscos para a saúde
Durante uma investigação que durou três anos, a Public Eye testou o combustível para venda em postos de gasolina em oito países africanos, cinco dos quais na África Ocidental. Eles descobriram que mais de dois terços das amostras analisadas tinham um nível de enxofre 150 vezes o limite europeu.
As cidades africanas estão crescendo rapidamente. Lagos, a maior cidade da Nigéria, tem uma população de 21 milhões, e as estimativas sugerem que este número poderá quase dobrar até o ano de 2050. As cidades maiores podem significar um risco muito maior da poluição do ar. Embora a rápida urbanização e a fraca qualidade da frota de automóveis em segunda mão na região sejam parcialmente responsáveis pelos elevados níveis de poluição atmosférica, o diesel de baixa qualidade também tem um impacto significativo.
Poluentes de combustível têm sido associados ao desenvolvimento de asma, câncer de pulmão e doenças cardiovasculares. O relatório da Public Eye revelou que a mudança para o combustível com baixo teor de enxofre em África e a introdução de carros com tecnologias de controle de emissões mais avançadas poderiam evitar cerca de 25 mil mortes prematuras em 2030 e 100 mil em 2050.
"Padrões duplos"
Oliver Classen explica que a Public Eye tem dirigido uma "campanha dupla", a fim de forçar a mudança na indústria de combustíveis.
"Nossas organizações parceiras na África Ocidental certificaram-se de que esta forte mensagem das pessoas que sofrem com essas emissões tóxicas é ouvida por seus governos", diz ele. "Na Suíça, pressionamos as empresas que aproveitam esses duplos padrões – descaradamente, impiedosamente, sistematicamente".
O relatório centra-se em empresas comerciais suíças que utilizam um processo conhecido como "mistura" para combinar combustível de baixa e alta especificação, criando uma mistura que está em conformidade com os fracos regulamentos africanos. Como o relatório explica, "quanto mais próximo do limite de especificação do produto, maior será a margem potencial para o comerciante".
Este produto sub-padrão, conhecido na indústria como "Qualidade Africana", não poderia ser vendido na Europa, mas não é ilegal para ser vendido em outro lugar. O processo de mistura – que ocorre tanto em portos europeus ou a caminho de África, através de uma transferência "navio para navio" – complica o problema, porque o combustível de vários fornecedores pode ser misturado em um único produto.
De acordo com a Public Eye, as empresas suíças também são proprietárias ou são as principais partes interessadas nas empresas que possuem uma grande parte da infra-estrutura utilizada para misturar, transportar e distribuir combustíveis – como navios, tanques de armazenamento e gasodutos.
Apesar de ter reservas de petróleo significativas, a África Ocidental carece de recursos de refinaria suficientes para processar seu próprio petróleo de alta qualidade e, portanto, recebe importações mais baratas do exterior.
De quem é a responsabilidade?
Após o relatório, os governos de cinco países da África Ocidental se comprometeram rapidamente a reformar os regulamentos sobre combustíveis. O Gana e a Nigéria são os primeiros a cumprir esta promessa. Mas e os comerciantes de commodities na Europa?
"Na verdade, eles não responderam", diz Classen. "Nós trouxemos uma petição aqui na Suíça, e 20 mil pessoas assinaram a petição pedindo aos gigantes das commodities que parassem de vender diesel sujo para a África, mas nada aconteceu".
As duas principais empresas de commodities implicadas no relatório foram a Trafigura e a Vitol. Ambos disseram à DW que, embora aceitassem que o problema do alto teor de enxofre precisasse ser tratado, cabia aos governos de África assegurar a qualidade do diesel vendido nas bombas.
A Vitol acrescentou que, nos termos da regulamentação em vigor, as empresas europeias não tem como se assegurar de que o que fornecem aos importadores de um determinado país será vendido nesse país. "Se a Vitol, ou qualquer outro fornecedor, fornecer a um importador uma especificação da UE (com prejuízo financeiro), não há nada que impeça o importador de revender a carga com lucro e de adquirir uma carga com uma especificação mais barata para uso local".
Pressão sobre os "centros de importação"
Cerca de 50 por cento do petróleo europeu que acaba na África Ocidental flui através dos portos de Antuérpia, Roterdão e Amesterdão, conhecida como ARA. A Public Eye apelou a estes "centros de exportação" para proibir a exportação de combustível que não satisfaça os padrões europeus.
"Há um enorme debate público acontecendo na Holanda e na Bélgica", explica Oliver Classen. "Tem havido moções parlamentares e muita cobertura dos media sobre a questão, e há pressão sobre os seus governos lá. Esperamos ver alguma mudança de opinião que colocaria os comerciantes suíços de commodities sob pressão para mudar suas práticas comerciais".
Em resposta a preocupações com regulamentos mais rígidos que levam ao aumento dos preços dos combustíveis, a Public Eye ressalta que cinco países da África Oriental adotaram combustíveis com baixo teor de enxofre em janeiro de 2015 "sem impacto nos preços na bomba".
Mahamudu Bawumia, o vice-presidente do Gana, disse que a introdução da nova regulamentação iria colocar o Gana "no mesmo nível que os países ocidentais ou os países da África Oriental". Ele acrescentou que as mudanças "irão reduzir doenças respiratórias desencadeadas por toxinas de combustível com maior teor de enxofre."
A Nigéria também anunciou planos para que todos os combustíveis produzidos internamente atinjam os padrões de 50 ppm até 2020. Em uma reunião de produtores de combustíveis africanos em fevereiro, Ndu Ughamadu, porta-voz da Nigéria National Petroleum Corporation, disse que a instalação de equipamentos para cortar o enxofre já estava em curso ou planeada em três das quatro refinarias da Nigéria.