Partido lusitano quer reabilitar países do sul da UE
4 de maio de 2014De cima de um pequeno palco numa livraria lotada de Lisboa, Rui Tavares discorre sobre "Ulisses". Mas o franzino homem de óculos redondos não é um crítico literário, e seu assunto não é nem a personagem de Homero nem a de James Joyce.
O político português de 41 anos é um dos fundadores do partido Livre, de esquerda liberal, pelo qual vai concorrer a um assento no Parlamento Europeu nas eleições da última semana de maio. "Ulisses" é o nome do ambicioso projeto político-econômico com que pretende redefinir o papel de países como Portugal, Itália, Grécia e Espanha na União Europeia.
"Com 'Ulisses', queremos alcançar, sobretudo, uma coisa: que os países do sul da Europa não sejam mais chamados de 'Pigs'", propõe, lembrando o termo pejorativo – inspirado no Brics – com que alguns órgãos de imprensa designavam esse grupo de Estados empobrecidos, duramente afetados pela crise europeia de endividamento.
Ideias inspiradas na história
Rui Tavares almeja conferir uma nova confiança e autoestima às nações meridionais do bloco. Para a solução da crise de endividamento estatal, ele quer convocar uma grande conferência, semelhante à de Bretton Woods, realizada em 1944 nos Estados Unidos.
Lá, os ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais das 44 nações futuras vencedoras da Segunda Guerra Mundial estabeleceram uma nova ordem monetária, definindo a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.
Para Tavares, não cabe a cada país europeu resolver o problema da dívida, mas sim à Europa como um todo. Além disso, a UE precisa de uma instituição financeira própria, independente, nos moldes do FMI, sob controle do Parlamento Europeu. E a Europa Meridional necessita de um novo "Plano Marshall", como o que reergueu as economias europeias no pós-guerra.
Ao político – que também é escritor, tradutor e historiador – não faltam ideias para a Europa. Desde 2009 ele atua no Parlamento Europeu, como deputado independente, e há pouco menos de três anos filiou-se à bancada do Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia.
Em 2014, Tavares concorre novamente a um assento em Estrasburgo, mas desta vez representando a força política que ele próprio ajudou a fundar em Portugal. "O partido Livre repousa sobre quatro pilares: liberdade, esquerdismo no sentido clássico – quer dizer, igualdade e justiça social – e também ecologia e Europa", explica.
Aposta na União Europeia
"Atualmente são fundados por toda parte, seja na Alemanha ou na Inglaterra, partidos antieuropeus e populistas. Por isso, muitos nos perguntam como nós podemos nos identificar hoje em dia com a Europa, de forma tão forte e positiva, quando tanta gente está decepcionada com ela", conta o visionário lusitano.
Também em Portugal sua estratégia é ousada. Segundo os mais recentes dados do Eurobarômetro da Comissão Europeia, quase dois terços dos portugueses veem com pessimismo o futuro da União Europeia.
Há quase três anos o país implementa um rigoroso plano de reforma e austeridade. Ele foi estabelecido junto com a UE, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE) em troca de um pacote de resgate no montante de 78 bilhões de euros.
Europa mais independente
Dessa Europa, porém, Rui Tavares se distancia. "Não nos identificamos com a UE que é liderada pelo nosso compatriota [José Manuel] Barroso e que não encontrou nenhuma resposta para a crise econômica, ecológica ou social. Mas nós acreditamos que os europeus têm um futuro comum, construído sobre os princípios democráticos, os direitos fundamentais e um bem estar compartilhado. A Europa deve se tornar soberana, no sentido de ter seu futuro nas próprias mãos."
O historiador lusitano – que contribui regularmente para o jornal liberal Público – também se reporta à atual crise entre a Ucrânia e a Rússia. Segundo ele, a dependência dos Estados da UE em relação ao gás natural russo poderia ser reduzida a longo prazo se os países meridionais produzissem energia para o Centro e o Norte de Europa.
Nesse ponto, o português cita como modelo a Tennessee Valley Authority (TVA). No contexto do New Deal – a resposta do presidente americano Franklin D. Roosevelt à Grande Depressão – essa corporação foi criada na década de 1930 para canalizar investimentos para grandes projetos de energia no então empobrecido sul dos Estados Unidos.
Da mesma forma, na visão de Tavares, a UE deveria criar um departamento governamental comparável à TVA, com a finalidade de coordenar a produção em larga escala de energias renováveis no sul da Europa.
Formas democráticas inéditas
Na livraria lisboeta, os seis candidatos do novo partido ao Parlamento Europeu discutem sobre o projeto "Ulisses", sobre o planejado acordo de livre comércio entre a UE e os EUA, e sobre corrupção e abuso de poder em nível europeu. A lista dos candidatos foi definida na internet pelos adeptos do Livre.
Esse princípio de democracia de base também agrada à eleitora Ofélia Janeiro, que escuta atentamente os políticos, sentada numa escada da livraria. "Isso é algo totalmente novo para nós. Nunca houve essa forma de democracia direta em Portugal. Aqui podemos participar e até mesmo redigir com eles o programa do partido."
Nos meios intelectuais de esquerda da capital portuguesa, a facção e seu fundador Rui Tavares já se estabeleceram. Entretanto, o pesquisador Pedro Magalhães duvida que em nível nacional o Livre consiga suficientes votos para atuar em Estrasburgo. "O partido não é verdadeiramente visível. E lhe faltam subvenções estatais para poder realizar uma campanha eleitoral expressiva", analisa.
Porém, o pleito europeu é apenas um primeiro passo para Rui Tavares. Sua meta maior é que o Livre consiga reconciliar os demais grupos de esquerda em Portugal. E assim, nas próximas eleições parlamentares nacionais, em meados de 2015, as portas para uma coalizão governamental de centro-esquerda estejam abertas.